Construção de cenários e projeção de futuros

Eis ai um tema que, dia a dia, ganha com justiça importância no mundo das organizações, no universo das comunidades acadêmicas e jornalísticas, e de todo o público interessado nas questões relativas à vida empresarial.

A construção de cenários e a projeção de futuros são referências indispensáveis aos processos de planejamento, de decisão e de controle tão necessários ao desenvolvimento de uma visão estratégica na realidade da gestão das organizações.

A ambigüidade e a incerteza são os condimentos inafastáveis do cotidiano organizacional. Quais os condicionamentos das reações de todos aqueles que serão afetados por decisões e ações empresariais? O que e o como fazer para proceder à antecipação dessas reações com o objetivo de contorná-las e/ou ajustar as decisões e ações a tais reações?

Proceder ao estudo de diferentes alternativas de caminhos, projetar o que poderá ocorrer no futuro com vistas a preparar-se para eles, da forma mais objetiva possível, é parte essencial dos papéis e das funções da liderança de organizações dinâmicas.

Mais do que tudo, é preciso compreender a cultura em que se está inserido. O líder empresarial não é um biólogo em seu microscópio, que analisa uma sociedade de formigas ou de bactérias. É parte integrante da própria realidade que perscruta e projeta. Dispõe de infindáveis recursos e instrumentos tecnológicos, que evoluem à velocidade orbital. Mas os aplica numa cultura organizacional reativa à mudança, que evolui à velocidade do carro de boi.

Diante de tamanha defasagem entre os recursos de que dispõe e as condições objetivas para implementá-los, deve aguçar ainda mais a sua sensibilidade como aplicador de conhecimentos de ciências sociais.

Mas, de forma alguma, é objetivo das ciências sociais se arvorar em propor profecias históricas ou fazer previsões pretensamente cientificas para exercer a atividade de gestão racional no mundo das organizações.

É preciso assim que circunscrevamos os processos e os métodos técnicos de construção de cenários e de projeção de futuros em suas limitações, ou seja, como apenas uma ferramenta de gestão, um instrumento de referências válido para apoiar o administrador no exercício da liderança.

Mas não é, de forma alguma, uma nova ciência ou teoria, progressista e revolucionária, a embasar o mundo da gestão.

As bases fundamentais do historicismo, isto é, a concepção de que o objetivo das ciências sociais é propor profecias históricas e a expectativa de que essas profecias são necessárias para a compreensão de quaisquer teorias racionais já produziram estragos monumentais na narrativa humana, mormente nos últimos dois séculos.

As aplicações práticas das experiências do socialismo cientifico e do marxismo marcaram e ainda marcam profundas perdas e inenarráveis perdas na trajetória humana.

A teoria e a prática da gestão das organizações não precisam repetir o mesmo equívoco: tratar a construção de cenários como novas doutrinas e assim reincidir no historicismo, agora aplicado ao mundo das organizações na sociedade de mercado.

Constata-se todo o tempo a crescente prática dessa deformação em artigos, palestras, textos, conferências e simpósios profissionais que se encarregam do tema. Está na moda!

É um equívoco historicista pretender dizer que a evolução de determinada organização segue as previsões pretensamente cientificas de um enredo ou de uma narrativa que se projeta no amanhã; e que se formos capazes de descobrir as tramas que embalam essa narrativa ou enredo seremos capazes de identificar a chave para a construção de um futuro determinístico da organização. Ledo engano!

É preciso, repita-se à exaustão, que tomemos as técnicas de construção de cenários e de projeção de futuros organizacionais sempre e apenas como uma ferramenta gerencial, útil e válida, mas jamais incidir no equívoco tosco de pretender revesti-las com quaisquer veleidades de ciência.

A doutrina historicista, segundo a qual a função das ciências sociais aplicadas ao mundo das organizações seja a de prever o desenvolvimento histórico das organizações, é insustentável.

A organização se transforma e se desenvolve. Assim também, obviamente, o conjunto da sociedade humana em suas diferentes formas de agregação.

De modo geral, esse desenvolvimento não é repetitivo. E quando a repetição se dá, ai sim talvez sejamos capazes de fazer previsões apenas condicionais, jamais capazes de fazer previsões incondicionais, irrefutáveis, pretensamente fundadas em racionalidades cientificas.

Destaca-se assim o papel do administrador como aplicador de conhecimentos de ciências sociais. E que não se queira mais contaminá-las com a doença do historicismo.

Que o homem que atua nas organizações continue sempre e eternamente enredado em suas circunstâncias, como tão bem nos diz Ortega Y Gasset. Lidar com essas circunstâncias cambiantes é a essência da liderança.

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