A hora e a vez da educação profissional
Finalmente, o sistema educacional brasileiro abriu espaço para a educação profissional, quer em nível técnico, tecnológico, quer em cursos de qualificação profissional. Não só como capítulo da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, mas concretamente ampliando o número de escolas técnicas em todo o país, que podem, de acordo com o artigo 42 da Lei 9394, formar cursos especiais abertos à comunidade, além de seus cursos regulares, condicionados à matrícula, à capacidade de aproveitamento e não, necessariamente, ao nível de escolaridade.
Embora existissem no Brasil, algumas escolas públicas profissionalizantes, e o SENAI e o SENAC já formassem profissionais, desde a década de 40, o ensino técnico aparece como ramo do ensino médio, paralelo ao secundário, embora equivalente para prosseguimento de estudos em nível superior, pela primeira vez, na LDB de 1961. Os cursos técnicos, de então, destinavam-se à formação de técnicos industriais, comerciais, agrícolas e outros, bem como de professores primários.
Consagrava a Lei de 1961, a dicotomia existente na formação de nossos jovens, aprofundando a distância que sempre houve, no Brasil, entre a formação intelectual e a formação para o trabalho, quando se sabe que a formação integral do jovem há de ser feita à luz de um humanismo que seja abrangente do pensar e do fazer.
Se procurarmos uma redefinição do conceito de formação humanista exigida pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia, pelas profundas transformações sociais do nosso tempo, concluiremos que nessa nova definição estão contidos, necessariamente, o conhecer e o fazer, já que o homem não é puro intelecto contemplativo, mas um ser que necessita transformar seu ambiente natural para criar um mundo onde possa realizar-se plenamente.
Esta redefinição leva-me a concluir que a educação geral faz-se necessária para servir de base à educação profissional, não somente pelos conhecimentos que oferece, mas também pelas qualidades intelectuais que desenvolve. Ao mesmo tempo, a educação profissional e a própria profissão constituem modo de afirmação e aperfeiçoamento do homem.
Foi com base neste conceito, que o legislador de 1971, ao elaborar a Lei 5.692, que fixava diretrizes para o ensino de 1º e 2º graus – hoje, os ensinos fundamental e médio, aboliu os ramos do ensino médio, plantando a educação profissional no terreno comum da educação geral.
A tomada de consciência da necessidade de integração da educação geral e da educação profissional era uma das tendências da educação contemporânea.
Foi esta a razão que levou o legislador de 1971 a conferir ao ensino médio as atribuições de proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.
Procurava-se com isto encontrar, também, uma solução para a situação que vivíamos: o ensino médio, somente acadêmico, nem sempre preparava o aluno para o prosseguimento de estudos, em nível superior, e os que a ele não se dirigiam, terminavam o curso sem qualquer formação profissional que os habilitassem a ingressar no mercado de trabalho.
Embora a proposta apresentada pela Lei 5692/71 procurasse a integração da educação geral e da educação profissional, no ensino médio, e a formação de jovens qualificados para ingressar no mercado de trabalho, sua implantação não foi bem sucedida.
O princípio da educação profissional em nível de ensino médio, concomitante com a educação geral, caiu com a Lei 7.740/1982.
A partir daí, apenas o SENAI e o SENAC e as escolas técnicas federais e poucas estaduais foram as instâncias formadoras de recursos humanos qualificados para uma série de profissões que o mercado de trabalho exigia.
Durante alguns anos, mesmo o ensino técnico não teve prioridade. O número das escolas técnicas federais manteve-se sem alteração e muitas escolas técnicas estaduais foram transformadas em escolas de educação geral.
Embora a Lei 9.394/96 abrisse um capítulo para a educação profissional, e o mercado de trabalho, no país em desenvolvimento, se ressentisse de mão de obra qualificada, somente nos últimos anos, o Brasil acordou para a necessidade de formar profissionais, não apenas no ensino superior, mas, sobretudo, técnicos em nível médio e, mesmo qualificar profissionalmente, portadores de menor grau de escolaridade, que já estavam no mercado de trabalho ou nele desejavam ingressar. O Ministério da Educação está construindo mais de 200 escolas técnicas federais em todo o país, e oferecendo capacitação profissional em cursos de curta duração para pessoas com menor escolaridade.
Mas, não basta construir escolas técnicas de nível médio. É preciso que o modelo da educação profissional forme recursos humanos altamente qualificados, em nível médio, e ofereça cursos de curta duração para reciclar os que já estão no mercado de trabalho e para qualificar os que nele desejam ingressar, e que, embora muitos tenham realizado cursos de ensino médio não possuem qualquer habilitação para desempenhar atribuições nas áreas industrial, comercial, agrícola, tecnológica e outras surgidas pela modernização do mercado de trabalho.
Um modelo exitoso é o do ensino médio alemão em que jovens estudam tanto em escolas quanto em empresas. É o chamado Sistema Dual que, aliás, o SENAI utiliza há muitos anos.
O ensino profissionalizante da Alemanha é considerado um dos melhores modelos do mundo e constitui a espinha dorsal da economia do país.
O Sistema Dual, além de garantir uma porta aberta para os jovens na força produtiva, oferece aos de famílias mais pobres a possibilidade de um salário de 300 a 1000 euros mensais, durante a aprendizagem.
Os cursos da Alemanha são feitos depois de dez anos de escolaridade básica, e são oferecidos em escolas profissionalizantes e nas próprias empresas, simultaneamente. Têm duração de três anos e um exame de conclusão que é igual em todos os estados, o que faz com que o diploma seja válido em todo o país.
O Sistema Dual existe desde a primeira metade do século XX, mas foi reforçado há poucos anos, com um acordo assinado entre o governo alemão e as empresas, que as obriga a oferecer vagas de aprendiz. O chamado “Pacto de Profissionalização” firmado, em 2004, acaba de ser prolongado até 2014, pela Ministra de Educação da Alemanha.
Para acompanhar os iniciantes, o Ministério contratou mais mil orientadores com a função de atuar junto aos jovens, nas escolas profissionalizantes, além de ajudá-los a encontrar a empresa certa para receberem a parte prática do curso. Poucos países na Europa oferecem aos jovens um acesso tão livre e aberto ao mercado de trabalho.
O Brasil precisa formar técnicos que conheçam o que é exigido pelo mercado de trabalho, realizando a parte prática do curso já nas empresas que, hoje, têm exigências decorrentes dos avanços tecnológicos que, muitas vezes, nossas escolas técnicas não têm condições de reproduzir nos cursos oferecidos. E, além disto, tem que continuar investindo em cursos de curta duração, para reciclar a mão de obra já em exercício, que não recebeu formação adequada, e muitas vezes, nenhuma formação, e para qualificar os que precisam e desejam buscar trabalho nas áreas que necessitam de profissionais não necessariamente de nível médio, para alavancar sua produção.
Embora nos últimos 16 anos, tenhamos conseguido dar passos largos na área educacional, em termos quantitativos, temos de caminhar ainda muito para garantir a qualidade de nosso ensino, em todos os graus e níveis. Temos que deixar a incômoda posição de país “proustiano”, em busca do tempo perdido, avançando, com segurança e determinação, para o presente e para o futuro.