POR QUE AMO AS PALAVRAS?

Desde muito cedo aprendi a amar a escrita, a leitura, a palavra e seu significado significante e significações.

O livro foi meu primeiro presente – e sequer sabia ler – e, mais adiante, já na adolescência, outro livro somou-se àquele, “Cazuza”, do escritor maranhense Humberto de Campos, membro da Academia Brasileira de Letras, ganho no concurso literário que participei. Como também jamais esqueci do primeiro presente à primeira namorada, o livro “Os Amantes de Verona” do escritor inglês William Skakespeare, depois de lê-lo, naturalmente.

Aliás, segundo a tradição Catalã, as mulheres respondem ao presente de rosas de seus namorados com livros. Não é por acaso que os livreiros de Barcelona costumam presentear uma rosa para cada volume vendido.

Cresci, pois, entre livros, enciclopédia da época, as inefáveis revistas de aventuras de então: Gibis, Guri, Globo Juvenil e outras, as inesquecíveis estampas colecionáveis presentes nas embalagens do sabonete Eucalol, que me conduziam por viagens imaginárias entre animais pré-históricos, peixes das profundezas oceânicas, índios do Brasil, episódios da história brasileira etc.

As palavras são sopros frágeis de voz, mas sem elas não dizemos coisas, nem sentimentos. Mais do que formas e sentido, têm uma aura, um cheiro, um jeito. Podem ser legais ou malas, bonitas ou feias, difíceis ou oferecidas, sisudas ou frívolas, francas ou enigmáticas, de boa índole ou perversas.

Portanto, as palavras soam como as pessoas, como bem se pode concluir do texto que se segue, do eminente jurista Hermes Lima, ex-ministro do Trabalho, das Relações Exteriores, do Supremo Tribunal Federal, e ex-Primeiro-Ministro do regime parlamentarista:

“O homem é um ser social, o homem é como o sino, se houvesse o vácuo social em torno dele nada se ouviria”

(Introdução à Ciência do Direito)

Para Houaiss, palavra é a “unidade mínima de som e significado que pode, sozinha, construir enunciado; capacidade de exprimir ideias por meio de sons articulados” (Dicionário da Língua Portuguesa, 2009, p. 1414).

Escrever também é tirar proveito deste eco.

De outra parte, como a palavra texto, tessitura encontra raiz no latim: texo, texeu, textum, texere, “fazer tecido, entrançar, entrelaçar, construir sobrepondo ou entrelaçando” (Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia Portuguesa, 2003, p. 3507): entrelaçar os fios para compor a tapeçaria confunde-se com entrelaçar as palavras – sendo a palavra também o fio do tempo – para compor a história – . Na língua sagrada Quechua – importante família de línguas indígenas da América do Sul, ainda hoje falada por cerca de dez milhões de pessoas de diversos grupos étnicos ao longo dos Andes – a palavra para linguagem é “fio”; a palavra para uma conversação complexa é “bordado”. Nos Andes, as pessoas não sabiam escrever, teciam o significado nos têxteis e cordas atados por meio de nós.

Há, também muita musicalidade nas palavras, por isso, há línguas mais sonoras do que outras. Em “Além do Bem e do Mal” (1886) Nietzsche fez o célere comentário sobre a musicalidade das palavras: “que tortura são os livros escritos em alemão para aquele que possui o terceiro ouvido”.

Nietzsche distingue a beleza das línguas latinas como o português, o italiano e o francês. As línguas latinas parecem ter vantagem, pois as consoantes são geralmente acompanhadas de vogais. Por isso, Fernando Pessoa se refere, talvez com pena, aos europeus sem vogais, isto é, os germânicos e os eslavos.

Por sua vez, em meio a crise espiritual que permeava a Europa no final do século XIX, surge na França o Simbolismo – o movimento literário e artístico em reação ao realismo e ao parnasianismo e que tinha na musicalidade uma das principais características relacionadas as obras dos escritores simbolistas e, por extensão, uma linguagem fluída e musical, aproximação da poesia e da música, combinações sonoras e sensoriais, universo onírico e transcendental e que se utilizavam de alguns recursos ou figuras de linguísticas, tais como, sinestesia, aliteração, onomatopeia, metáforas e mais, símbolos e imagens.  E por meio desses recursos os escritores simbolistas davam cadência, ritmo e som harmoniosos as suas palavras associadas à ideia do texto da obra pela dança das letras.

O poema La Chanson d’Automne de autoria de Paul Verlaine e tradução de Onestaldo de Pennafort é bom exemplo do citado acima.

Les sanglots longs

Des violons

De l’automne

Blessent mon coeur

D’une langueur

Monotone

 

Tout suffocant

Et blême, quand

Sonne l’heure,

Je me souviens

Des jours anciens

Et je pleure

 

Et je m’en vais

Au vent mauvais

Qui m’emporte

Deçà, delà,

Pareil à la

Feuille morte.

 

Os longos sons

dos violões,

pelo outono,

me enchem de dor

e de um langor

de abandono

 

E choro, quando

ouço, ofegando

bater a hora,

lembrando os dias,

e as alegrias

e as de outrora

 

E vou-me ao vento

que, num tormento,

me transporta

de cá pra lá,

como faz à

folha morta.

 

(Pennafort optou por violões, e não por violinos, para dar o tom de corda grave)

Acresça-se, ao ver da escritora chilena Cecília Vicuña (Palavrarmais) que as palavras “sentem amor uma a outra, um desejo, que culmina na poesia. Ou a palavra, ela mesma, é poesia”.

Por tudo isso, sou apaixonado pelas palavras e escrever é como me ver nelas, é lavra-las como quem lavra a terra. São pois, nosso olhar, escuta e porta para o mundo.

Ao reverso, a imagem na tela – que desde a invenção do cinema e da televisão molesta a letra impressa – é sabotada pela presença contígua do teclado. Os dedos de qualquer usuário interagem com as palavras enviadas pelo ciberespaço.  Toda imagem é também texto, já que tudo no universo se representa e se escreve por um sistema de signos:

Não consumismo coisas mas significações.

Mas, somo-me a Roland Barthes, na aula inaugural da Cadeira de Semiologia Literária do Colégio de França, diante do fustigamento que a língua vinha sofrendo, escreve que:

“Não há uma crise da linguagem, mas uma crise de amor pela língua”

(Aula, Ed.Cultrix. S.Paulo 6ªEdição)

Por fim, para concluir, um bom livro é aquele que nos acompanha em todas as épocas de nossa vida, por nele se conter inimaginavelmente, guardados, stand by, outros tantos livros que desabrocharão no momento demandado pela necessidade do leitor, que também é outra pessoa, incorporada de novos saberes e conhecimentos continuamente, para possibilitar-se-lhe entender às transformações que impactam e ruturam a sociedade da qual faz parte.

Outras vezes, ao contrário, é o livro que nos leem.

Wallace S. Vieira

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