…E eles nem enrubescem…Mas, eu, sim!
Em 09/06/2018, Hélio Schwartsman comenta em sua coluna na FSP, a aprovação na CCJ da Câmara dos Deputados do PL nº 5511/2016, tornando obrigatória a participação de advogado na solução consensual de conflitos. Como Administrador, vejo isso como uma agressão à cidadania e um passo certo para a ineficiência.
A estratégia adotada foi de incluir a obrigatoriedade da presença do advogado no processo de conciliação pela modificação no Estatuto da OAB , mas não alterar diretamente a Lei Federal nº 13 140/2015, que regulamenta o tema conciliação e mediação. O PL foi publicado com a seguinte ementa:
Ementa
Altera a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Explicação da Ementa
Torna obrigatória a participação de advogado na solução consensual de conflitos, tais como a conciliação e a mediação.
Isso me pareceu uma artimanha ou jurídica, ou legislativa ou sindical. São tempos estranhos estes em que somos surpreendidos por artimanhas de governantes, políticos, empresários, executivos, servidores públicos e outros para criarem privilégios e buscarem vantagens. Seria mais transparente e adequado para a prática democrática se o PL fosse apresentado como alteração da Lei Federal nº 13 140/2015, que trata da conciliação e da mediação, diante da importância deste tema para agilizar a Justiça.
Será que a estratégia adotada foi para evitar o debate na sociedade? Ou foi para impedir que outras categorias profissionais participassem do processo de conciliação? Será mesmo necessário que as partes legítimas tenham que contratar advogado para fazer uma conciliação quando as partes já definiram o que querem e como fazer?
A justificativa de aumentar a segurança jurídica é argumentação antiga, arrogante e burocrática que contribuiu para a morosidade e ineficiência do sistema judiciário, com custos financeiros, sociais e políticos incalculáveis para a sociedade.
A Lei Federal Nº 13 140, de 26 de junho de 2015, é clara no artigo 9º, ao estabelecer que “poderá funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes e seja capacitada para fazer mediação, independentemente, de integrar qualquer tipo de conselho, entidade de classe ou associação, ou nele inscrever-se”. Ou seja, não é prerrogativa de advogados ou de qualquer outra profissão, mas sim de preparo e treinamento específico e vontade soberana da partes. E no artigo 10º diz que “as partes poderão ser assistidas por advogados ou defensores públicos”. É uma opção das partes e não uma imposição.
A Lei Federal Nº 13 140/2015 investiu na redução da judicialização dos conflitos, na desburocratização dos procedimentos, na pacificação social, na solução e prevenção de litígios e, em última análise, no fortalecimento da cidadania.
Assim, a proposta deste projeto de lei 5511/2016 vai na direção oposta ao processo de modernização da administração pública brasileira. Por isso, retornamos ao artigo do colunista da FSP, Hélio Schwartsman, “… E eles nem enrubescem ….”, mesmo sabendo das conseqüências desastrosas para o exercício da cidadania.
E por isso, como Administrador, enrubesço, sim, mas de indignação!
O cidadão pode ser empresário, pode constituir família, pode ser profissional, pode exercer cargo público, pode ser político, mas não pode decidir sobre a solução consensual de um conflito com outras pessoas, sem que esteja presente um advogado. Deve ser causa de uma nova síndrome – delírio tutelar!
Precisamos, urgentemente, fortalecer a confiança entre os membros da sociedade brasileira e estimular a construção de um ambiente saudável ao diálogo, à crítica construtiva e ao auto-aperfeiçoamento da sociedade. Por isso, o excesso de tutela nos atos da administração pública deve ser condenado e abolido, pois foi com este modelo que chegamos ao quadro de deficiências no qual o país se encontra.
Como profissional de Administração esta preocupação é permanente.
E nesse sentido, todas as instituições profissionais têm a obrigação ética de fortalecer procedimentos legais e administrativos que tenham como referências o cidadão, a confiança, a credibilidade e a busca por resultados e eficiência.
A presença obrigatória de advogado na solução consensual de conflitos é uma afronta à capacidade das partes legítimas de buscarem solução para seus conflitos extra judiciais. Temos que investir mais em ambientes de confiança do que em insistir no histórico de tutela dos cidadãos brasileiros.