O quiet firing como uma resposta das empresas e do mercado

As diferentes práticas criadas durante a pandemia  —  como por exemplo trabalhar para duas empresas no mesmo expediente ou mesmo ter mais qualidade de vida ao fazer apenas o mínimo, como no caso do quiet quitting, geraram diversas consequências, positivas e negativas. Mas uma coisa é certa, todos aprendemos com essa experiência. Dolorosa, mas didática!

Se voltarmos a pouco mais de três anos e mirarmos exatamente no isolamento imposto pela pandemia, podemos até perceber que, em muitos casos, muitas pessoas passaram a trabalhar em home office, desassossegando alguns líderes, ou chefes, por além de não saberem lidar com a gestão através das telas de seus caros computadores, também não digeriam muito bem o contexto, por exemplo, de seus funcionários trabalharem, realizarem alguns trabalhos para outras organizações, entendendo que, por estarem em seus horários de trabalho, deveriam se dedicar à empresa que os contratou, inicialmente, para o trabalho presencial. E que, por força do isolamento, tal trabalho deveria ser feito de forma remota, em home office, possibilitando algum “escape de horário” por parte de alguns funcionários. O que tendeu a gerar, por parte da empresa, uma certa sensação de poder “escorrendo pelos dedos”, gerando, acredito eu, esse movimento de quiet firing.

Muitos adeptos do quiet quitting, no entanto, dizem que realizar o básico, lembrando, para o qual foi contratado, também faz com que possa manter uma melhor saúde mental e até mesmo uma melhor qualidade de vida. Esta última, muitas vezes tendo sido uma promessa de existir também em seu ambiente de trabalho, a tão conhecida QVT — Qualidade de Vida no Trabalho. Que, por não ter sido vivida efetivamente dentro das linhas do território laboral, junta-se aos argumentos de que, apenas fora do trabalho, pode ser alcançada. Logo, para vivê-la, se precisaria sair do ambiente de trabalho, após o expediente, decerto.

Mas, ao que tem sido demonstrado por diversas organizações, empresas, o entendimento não tem sido esse e sim, de que tais indivíduos, já não se apresentam engajados, envolvidos, determinados a rumarem junto às metas e objetivos organizacionais.

Ao usar o pleonasmo, sair para fora e olhar esses dois movimentos com uma pequena distância de curiosidade de quem atua na área de gestão a mais de vinte anos, dentro e fora do Brasil, eu diria que, as consequências obtidas pelas empresas, ao adotarem a prática do quiet firing, a princípio, podem parecer positivas, econômicas até, pois evitam muitos gastos com as demissões pretendidas. Porém, num futuro próximo, onde cada vez se pensa em perceber o trabalho como uma verdadeira entrega de valor, portanto, a médio e longo prazo, faço uma leitura de um verdadeiro desgaste no ambiente de negócios, por parte das organizações que adotarem tal prática, pois, com a própria realidade vivida e que ainda nos ronda, digo, a pandemia, os indivíduos mais qualificados passaram a perceber que têm valor e desejam ser valorizados, simples assim.

Demitir ou forçar o funcionário a pedir demissão: eis a questão!

O primeiro item requer medidas que podem trazer custos mais elevados a uma empresa (demissão). Já o segundo poderia ser considerado antiético. Em tempos de ESG —  cujo “S” se refere ao social e à preocupação com os indivíduos, dentro e fora da empresa — é necessário que haja uma reflexão constante sobre isso, para que não haja um contra senso sobre a missão, o propósito da empresa e as práticas que podem potencializar ou até mesmo negar suas posições no mercado onde atua. Então, fica a pergunta: é possível uma empresa praticar o quiet firing e ao mesmo tempo o ESG?
Não, pois muito cedo se aprende que não se pode servir a dois senhores. Ou seja, ou a organização é Ética, com É maiúsculo, ou não é.

Lembrando que nas ações de ESG, tudo de positivo deve contar e tudo de negativo deve ser suprimido e não abafado, como geralmente são negadas as práticas de quiet firing. Pois nenhuma organização admite tal prática.

Portanto, não vejo valor para as organizações, ao adotarem o quiet firing. Porém, se fizermos um pequeno exercício de nos afastarmos deste texto agora, e olharmos com uma pequena distância para isso tudo, provavelmente entenderemos que, dentro das linhas amigas deste mesmo texto, podemos perceber que o que salta aos olhos é a palavra comunicação, ou seja, entendermos que o que foi comunicado, se cumprido, evitaria tais atitudes e posteriores reações à tais.

Mas, já de volta ao nosso texto, você poderia estar se perguntando, e agora?! Uma vez que já pode estar sendo vivenciada tanto a prática de quiet quitting quanto a resposta á tal prática, o quiet firing, o que fazer? Eu diria que na melhor das hipóteses, um olhar com base nas próprias ações de ESG, através da Inteligência Emocional, de uma Comunicação Assertiva de fato, que possam aliar as expectativas de ambas as partes daquilo que, inclusive, está num contrato de trabalho, assinado por duas pessoas, uma jurídica e outra, física. Isso sim, é fator determinante para que ambos os lados se sentem à mesa para um diálogo.

O quiet firing na visão dos stakeholders

Em termos de retenção de talentos, e ao mesmo tempo de imagem empresarial, deve-se levar em conta também como o quiet firing pode ser interpretado pelos diferentes stakeholders que se relacionam com a empresa. Uma vez que as redes sociais trouxeram diversas formas de conexão entre colaboradores de diferentes instituições. O que pode prejudicar a empresa por conta de suas práticas.

Quando focamos nossa mente no fato de que uma organização, seja ela uma empresa ou não, sempre tem em seus maiores objetivos, atrair os melhores talentos, eu diria que, ao adotarem uma prática de quiet firing, podem estar cometendo algo que o mercado de recursos humanos tende a não perdoar, que é a memória de uma organização que não valoriza seu maior ativo, as pessoas. Sim, a imagem dessas organizações pode e geralmente é desgastada, eu iria dizer de um dia para o outro, mas não… pode ser desgastada em minutos, se postadas algumas informações que comprovem algum tipo de atitude antiética ou até mesmo assédio moral se comprovada tal prática. E e isso atualmente nem é tão difícil ou raro, uma organização que praticar uma atitude descrita como antiética ou abusiva ou tóxica, ou discriminatória no ambiente de trabalho, e os nomes só aumentam…., poderá sim, configurar o assédio moral e causar muitos e maiores danos tanto por questões jurídicas quanto em relação à imagem da organização no mercado de trabalho. Lembrando aquela máxima de business e money que tal organização pode perder por não ter tido o diálogo necessário, a inteligência emocional adequada, nem tão pouco a comunicação assertiva desejável à existência de qualquer organização que deseje se manter produtiva e respeitada no mercado onde atua.

Logo, a melhor resposta das empresas, por serem elas organismos vivos, organizados, deveria ser uma melhor gestão, tanto de pessoas quanto de seus próprios processos. Buscando através de ações mais humanizadas, políticas de recursos humanos que, de fato, valorizem seus colaboradores, do servente ao presidente. Numa ambiente que não é utópico, pois pode haver sim, harmonia e felicidade no trabalho. Pelo menos é o que a Administração vem desenvolvendo a tantos anos, através de reflexões e estudos sobre as melhores relações humanas nos mais diferentes postos de trabalho.

E por sua vez, as empresas precisam entender que, a atitude do quiet quitting, não geralmente diz respeito à uma “afronta” do trabalhador ao seu ambiente de trabalho e sim, uma forma nem sempre consciente de demonstração da solidão percebida em relação à falta de valorização de seu trabalho, de sua dedicação ao trabalho e até mesmo de uma sobrecarga.

Quando as empresas percebem a necessidade de uma melhor diálogo, a percepção de valor entre ambos, empresa e funcionário, traz à tona um maior senso de pertencimento, onde até mesmo a tão sonhada QVT — Qualidade de Vida no Trabalho pode ser vivida de fato, se estendendo para o lar de cada um dos colaboradores, fazendo com que sua família, de alguma forma, seja um incentivador para que este indivíduo, ao ter que retornar a seu trabalho, possa ir com a segurança necessária de saber que é valorizado e pode, no almoço de domingo, compartilhar com sua família, alguma coisa vivida na sua empresa durante a semana, com a satisfação que só um trabalho bem feito pode dar.

*Adm. Ana Carvalho é Ph.D., Professora Universitária no Brasil — Universidade Estácio de Sá e Universidade Veiga de Almeida, em Cabo Verde — Universidade Jean Piaget de Cabo Verde, e Portugal — Instituto CRIAP.

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