A lei da decadência e a saga das pessoas idosas na Copa Libertadores do Rio de Janeiro
Tudo na vida está fadado a passar pelo processo de nascimento, crescimento e declínio, tendendo à morte. As pessoas, as empresas, os produtos, as concepções, a sociedade, as leis, enfim, tudo aquilo que possa ser alterado pela ação da ‘mãe natureza’ ou pela incessante busca do homem, nem sempre racional, por verdade, justiça e beleza.
Platão, filósofo grego, dizia que a lei da decadência poderia ser quebrada pela vontade moral do homem, sustentado pela força da razão humana. Explicava que as “coisas” em fluxo, degeneradas e decadentes, representavam a obsolescência de coisas perfeitas ou cópias imperfeitas de originais (ideias) perfeitos.
Pois bem, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) escolheu a cidade do Rio de Janeiro para sediar a partida final da Copa Libertadores da América 2023, no sagrado Maracanã, não sem antes estabelecer acordos com a CBF, Governo do Estado do RJ e Prefeitura do Rio. Estádio adequado, logística de transportes, rede hoteleira, estabilidade política, segurança pública e muitos outros quesitos e interesses são levados em conta nessa negociação e decisão.
Apesar de um caderno de encargos tão complexo e necessário, a Conmebol não contava com a decadência de uma lei, em vigor, que prejudicou ou pelo menos dificultou sobremaneira as pessoas idosas que desejavam concorrer às gratuidades disponíveis para o espetáculo no Maracanã; logo eles que deveriam ter preferências na luta por ingressos.
Precisamos historiar a intenção dos legisladores do passado para entendermos o estado da arte da problemática.
Há 32 anos, em 10 de julho de 1991, o governador Leonel Brizola assinou a Lei nº 1.833 que concedia aos idosos maiores de 65 anos a entrada gratuita nos estágios e ginásios oficiais.
O governador Marcello Alencar, por meio da Lei nº 2.562, de 24 de maio de 1996, manteve os mesmos direitos para acesso a esses eventos esportivos, porém adicionou a exigência da apresentação da Carteira de Identidade do Instituto Félix Pacheco (IFP), com a inscrição “Maior de 65 anos”.
Caso a pessoa não dispusesse desse documento do IFP, ainda segundo esta lei, deveria então procurar a Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj), que forneceria um cartão de identificação à pessoa considerada idosa. Até aqui, tudo dentro do que naquele tempo poderia ser considerado como razoável.
Ocorre que em 1997 essa atribuição de expedição da identificação civil foi transferida do IFP para o Departamento de Trânsito do Estado do Rio de Janeiro (Detran) e alguém esqueceu de avisar isso ao Deputado André Ceciliano que em 16 de março de 2018 sancionou a Lei nº 7.916 que reduz para 60 anos de idade o acesso gratuito aos estádios e ginásios esportivos oficiais, mas, pasmem, manteve a exigência da apresentação da carteira de identidade expedida pelo já inoperante IFP e com “Maior de 60 anos” destacado.
Foram várias as consequências dessa desordem no ordenamento legal às vésperas da finalíssima entre o Fluminense e o Boca Juniors: pessoas idosas frustradas que desistiram de se candidatar às gratuidades de ingressos pelo fato de possuírem apenas as carteiras de identidade expedidas pelo Detran, pelas forças armadas ou por Conselhos Profissionais; além de reclamações em sites especializados, com os desprevenidos idosos informando que há anos a Suderj não mais emite o tal cartão de identificação.
Ou seja, logrou êxito nessa disputa quem enfrentou a fila eletrônica e, depois de filtrado, possuía a antiga identificação do IFP com a inscrição “Maior de 65 anos”; ou quem se valeu de alguma “malandragem” para contornar o comando legal que, vale dizer, estava reproduzido no site da empresa (Eleven Tickets) que comercializou os ingressos para a Conmebol e que não teve o cuidado de questionar as autoridades sobre o despropósito daquilo que estava sendo exigido no regulamento.
Processos e procedimentos, simples ou complexos, se tornam obsoletos, caducam, e devem ser constantemente repensados, tendo como referências os novos conceitos, modernidades, tecnologias, a desburocratização e, sobretudo, os direitos das pessoas. E para que as “coisas” sejam renovadas, é preciso o olhar zeloso daqueles que cuidam da sociedade como um todo.
Diante do imbróglio aqui relatado, dos prejuízos e dificuldades causados às pessoas idosas e da decadência da mencionada legislação, o CRA-RJ está direcionando ao Governador do Estado do Rio de Janeiro e ao Presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, proposta de edição de uma nova lei que garanta e facilite o acesso das pessoas idosas, dos portadores de deficiência e de mobilidade reduzida aos eventos esportivos que venham a ser realizados no Estado do RJ.
Ah, e parabéns ao Fluminense Football Club, justo campeão da América!