Limites aos excessos do capitalismo – Parte 3
O Papel do Estado
Erram os ultraliberais ao pensar que a liberdade do mercado seja suficiente em si para plena realização da cidadania. O fracasso indiscriminado da utopia comunista em todo o mundo, em especial após a queda do muro de Berlim, exponenciou essa avaliação. A opção clara e deliberada do então mundo socialista pelo modelo capitalista coloca essa opção como única existente de fato nos tempos presentes, com a exceção folclórica da Coreia do Norte.
Não há dúvida de que o Estado não pode manter a sua tendência como cooperativa à sociedade de mercado, atuando como uma verdadeira agência dos bancos e das bolsas de valores. Mobiliza recursos públicos em apoio às organizações privadas e à expansão do crédito, fartamente constatado na eclosão da crise de 2008/2009. É o Estado a serviço do mercado, garantindo disponibilidade contínua de crédito e a capacidade também contínua dos consumidores em obtê-lo. E assim, a sociedade de mercado financiada pelo Estado deriva seus lucros da exploração dos desejos de consumo e do endividamento crescente dos consumidores. Nunca o sistema financeiro auferiu tamanhos ganhos.
É evidente que há necessidade do mercado para criar a riqueza e fazer retroceder a pobreza. Mas o Estado é indispensável para garantir a redistribuição de renda e um mínimo de justiça social.
Erra a esquerda ao supor radicalmente que o Estado possa ser um formidável agente econômico, capaz de criar riqueza. O capitalismo de estado, estratégia insistentemente equivocada do Brasil, mostra mais uma vez as suas disfuncionalidades e nos arrasta a uma nova crise profunda, fazendo o país recuar no seu processo de desenvolvimento em circunstâncias imprevisíveis no momento.
O mercado e as empresas mostram em todo o mundo uma competência efetiva de gerar empregos e renda, criar riqueza. Outro deve ser o papel do Estado, primacialmente focado na justiça e na redistribuição da renda criada pelo mercado e pelo mundo empresarial.
O paradoxo, entretanto, decorre do que afirma Zigmunt Bauman, em seu texto “Capitalismo Parasitário”, publicado em português pela Zahar Editora: “antes de tudo, é preciso sublinhar que os dois elefantes, o Estado e o mercado, podem lutar entre si ocasionalmente, mas a relação normal e comum entre eles, num sistema capitalista, tem sido de simbiose. Pinochet, no Chile; Sygman Rheen, na Coreia do Sul; Lee Kuan Yew, em Singapura; Chiang Kai-Shek, em Taiwan; ou os atuais governantes da China foram ou são ditadores de Estado em tudo, menos no nome, mas conduziram ou conduzem uma notável expansão e um rápido crescimento da potência dos mercados. Se atualmente os países citados são exemplos do triunfo do mercado, o mérito é todo dessas prolongadas ditaduras do Estado”.
A reabertura das embaixadas Cuba/EUA é uma nova e recente tendência à reedição dessas experiências: um velho regime ditatorial começa a se abrir ao mercado, mantendo a ditadura política.
A Moral e a Ética São Fontes de Lucro?
Se a ética e a moral fossem fontes de lucro para as organizações, estaríamos vivendo no paraíso aqui na terra e não neste vale de lágrimas. Bastariam os bons sentimentos das pessoas e o primado da moral e da ética na interação entre elas. Se a organização fosse moral, estaríamos mais do que nunca no paraíso: não haveria necessidade nem de Estado nem da virtude – bastaria o mercado e, portanto, a organização como seu braço operacional. A empresa quer privatizar a moral para si, transformando-se assim na aristocracia da virtude.
A empresa não age de acordo com um dever moral, mas por interesse. A ação empresarial não tem qualquer valor moral, já que realizada primordialmente com base em seus interesses. Não é a empresa que é moral: é a sua direção e seus dirigentes, seus empregados. Não é a empresa que é ética ou moral, mas os indivíduos que a compõem.
Marx quis moralizar a economia, submetê-la à ordem moral. É o que as empresas hoje querem fazer por intermédio da responsabilidade social, da empresa cidadã, da ética empresarial, do desenvolvimento sustentável, do voluntariado solidário, do respeito ao cliente.
A palavra moral anda démodé, vista como antiga, ultrapassada, velha. Rebatizada, agora se prefere falar em direitos humanos, humanitarismo, solidariedade, igualdade de direitos.
Ouço e leio por todo o lado: a) a ética empresarial melhora o clima da organização; b) melhora a imagem da empresa, logo as vendas; c) a ética melhora a qualidade dos produtos e serviços. A ética compensa! Ethics pays!
Novo neologismo empresarial: markética – o filho bizarro dos estranhos amores da ética e do marketing. Eis o novo propulsor do lucro das organizações.
Em suma, uma decisão moralmente justificada e politicamente legítima pode se mostrar economicamente nefasta. Comete-se usualmente o equívoco de se discutir moralmente questões eminentemente técnicas, cientificas ou econômicas como se elas estivessem sujeitas estritamente ao critério moral valorativo. Repito a pergunta: qual é o valor moral do preço de um barril de petróleo? Não vamos encontrar propriamente nela a resposta, mas no desenvolvimento científico-tecnológico e na economia.
Adm. Wagner Siqueira
CRA-RJ nº 01-02903-7
Presidente