Queimadas e o Papel dos Administradores na Gestão Ambiental e de Crises

O aumento das queimadas em grande parte do Brasil, evidenciado pela crise acentuada nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte, tem trazido uma série de reflexões sobre a intersecção entre o agronegócio, as políticas públicas e a sustentabilidade ambiental. Nos últimos dias, um fenômeno extremo de queimadas, concentrado em estados como São Paulo e Goiás, gerou uma nuvem densa de fumaça que se espalhou por diversas regiões do país, levando a uma deterioração significativa da qualidade do ar. Em alguns locais, a visibilidade foi tão comprometida que o uso de máscaras voltou a ser necessário, desta vez não pela pandemia, mas pela fuligem proveniente dos incêndios. Este cenário levanta uma série de questionamentos.

Ao mesmo tempo em que se anunciam iniciativas de apoio econômico, como a liberação de R$ 100 milhões pelo governo de São Paulo para subvenção de seguro rural e crédito especial para pequenos produtores afetados[1], há também investigações em curso sobre a possível natureza criminosa de muitos dos focos de incêndio[2]. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, em apenas um dia, quase 5 mil focos de calor foram registrados em todo o Brasil, sendo que mais de 1.800 ocorreram somente em São Paulo, superando até mesmo o número registrado na Amazônia[3].

Essas queimadas, que trazem diversos prejuízos para a natureza e as pessoas, além de afetarem diretamente o agronegócio para pequenos produtores e regiões, também colocam em evidência o papel do administrador em momentos de crise ambiental. Em contextos como esse, planos de emergência e contingência precisam ser acionados de maneira coordenada, envolvendo desde brigadas de incêndio e a Defesa Civil até políticas públicas eficazes e preventivas. A gestão responsável de recursos e a antecipação de riscos são essenciais para minimizar os impactos de eventos extremos. Não se trata apenas de uma resposta reativa, mas de uma postura preventiva que deve ser construída por todos os envolvidos, desde os gestores públicos até os atores do setor privado.

O agronegócio é, sem dúvida, complexo e, dentre outros setores, muito importante para a economia brasileira, sendo, muitas vezes, o foco de atenção governamental. O apoio financeiro anunciado pode ser visto como uma medida necessária para mitigar os impactos das queimadas sobre a produção agrícola, mas é crucial que a reflexão sobre o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental seja feita com cuidado. Ações pontuais de auxílio, como linhas de crédito e subsídios, podem ser importantes, mas a sustentabilidade a longo prazo exige um compromisso mais profundo e contínuo com a mitigação de danos ambientais.

Os incêndios, especialmente aqueles que ocorrem em áreas agrícolas, não podem ser simplesmente vistos como acidentes inevitáveis. As investigações recentes indicam que praticamente todos os incêndios podem ter sido iniciados de forma intencional[4], o que levanta preocupações sobre os interesses por trás dessas ações. No caso de Goiás, um suspeito foi preso sob acusação de provocar incêndios em várias fazendas, motivado por uma compensação financeira irrisória. Esse tipo de prática reforça a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa e de penalidades severas para aqueles que se beneficiam da destruição ambiental.

Ao mesmo tempo, a reação das autoridades, como as ações coordenadas entre governos estaduais e federais para conter as chamas, deve ser reconhecida. Contudo, é importante que essa resposta não se limite a momentos de crise. Políticas preventivas, educação ambiental, e investimentos em tecnologias que auxiliem na gestão de riscos ambientais são fundamentais para evitar que tais situações se repitam no futuro.

A atuação da Comissão Especial de Sustentabilidade do CRA-RJ se torna especialmente relevante nesse contexto. A sustentabilidade precisa ser colocada como prioridade nas decisões estratégicas das organizações e do setor público, não apenas como uma forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas também como uma estratégia de longo prazo para a preservação dos recursos naturais e para a proteção das populações diretamente afetadas por esses desastres ambientais.

O reflexo das queimadas na qualidade do ar, na saúde pública e na economia evidencia a urgência de uma gestão ambiental integrada, que considere todos os aspectos envolvidos. As respostas a curto prazo são necessárias, mas é a prevenção a longo prazo que garantirá que cenários como esse não se tornem recorrentes. A reflexão sobre as reais intenções por trás das ações atuais deve ser feita com cautela, sem deixar que interesses econômicos de curto prazo comprometam a integridade ambiental e a saúde das populações.

Por fim, este cenário nos desafia a repensar o modelo de desenvolvimento que estamos construindo. A busca por um equilíbrio sustentável é fundamental, e os administradores têm um papel central nesse processo, seja na implementação de estratégias mais eficazes, na promoção de práticas sustentáveis, ou na pressão por políticas públicas que efetivamente protejam o meio ambiente e a sociedade.

*A Comissão Especial de Sustentabilidade do CRA-RJ é composta pelos seguintes membros: Adm. Diego Carbonell (coordenador); Adm. Camila Moura Rodrigues (coordenadora adjunta); Adm. Francisco de Paulo Pinto Prado (secretário); Adm. Bruno Rodrigues; Adm. Fábio do Nascimento; e Luane Marques Toledo (convidado).

[1] https://globorural.globo.com/economia/noticia/2024/08/incendios-sp-vai-liberar-r-100-milhoes-para-agronegocio-diz-tarcisio.ghtml

[2] https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2024/08/26/homem-preso-recebeu-r-300-para-iniciar-incendio-em-fazendas-de-goias-diz-delegado.ghtml e https://g1.globo.com/sp/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2024/08/26/video-camera-flagra-homem-saindo-de-mata-momentos-antes-do-inicio-de-um-incendio-no-interior-de-sp.ghtml

[3] https://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2024/08/26/queimadas-e-fumaca-onde-esta-queimando-e-onde-ainda-pode-ter-incendios.htm?cmpid=copiaecola

[4] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/08/26/defesa-civil-diz-que-999percent-dos-incendios-no-interior-de-sp-foram-causados-por-acao-humana.ghtml

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