As nossas instituições estão a ruir

Com todo o respeito, e imbuída de espírito democrático, não posso me furtar a tecer comentários acerca do atoleiro econômico-financeiro em que nos encontramos. A defesa do Governo Dilma levada a efeito há pouco ( 31/03), na Câmara dos Deputados, apenas veio corroborar a “batida” constatação de que a gestão da economia, sob a batuta “Dilmãe”, é conduzida à custa de malabarismos fiscais, chicanas contábeis, empréstimos escusos e uma nada desconsiderável dose de desfaçatez.

De feito, o (des)governo atual tem sobrevivido em virtude de maracutaias contábeis e jeitinhos fiscais, materializados por reiteradas burlas aos limites preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Dois pontos merecem ser colocados em xeque: as pedaladas fiscais e a abertura de crédito adicional suplementar por decreto acima dos limites permitidos pela Lei Orçamentária Anual.

PEDALADAS FISCAIS

Os defensores do governo precisam saber que existem limites que não podem ser desconsiderados. Um desses limites remanesce representado pela barreira que separa a conta do Tesouro Nacional da conta do Banco Central (BACEN).

Nesta seara, o foco da mídia deve recair sobre o fato de o Tesouro estar, há anos, recorrendo a bancos federais para pagar as suas despesas. O nome disso é empréstimo e, a toda evidência, tal expediente não pode se materializar nas ocasiões em que o banco pertence ao governo que ordenou o pagamento.

Por quê? Porque essa mambembe praxe governamental viola o art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo o qual é “proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”.

Através das pedaladas fiscais, o governo escamoteia rombos em sua conta, ao permitir que bancos e fundos públicos operem programas sociais. Nessa esteira, os bancos públicos pagaram despesas do governo sem que tivessem recebido dinheiro correspondente. Ora, se o governo tardou em cobrir tais despesas, adiando a expectativa de reembolso por prazo indefinido, está-se diante de empréstimo.

E por que razão essas operações – abarcando vultosíssimos valores – não foram registradas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), local onde deveriam estar registradas todas as contas do Tesouro?

O Banco Central, por seu turno, que detém a incumbência de supervisionar o sistema bancário, também não percebeu nada. Quanta coisa estranha!

Pois bem! O (Des)governo Dilma, acabrunhado com a iminente ameaça de impeachment, achou por bem quitar os 72 bilhões de reais afetos às pedaladas, devolvendo-os à CEF, ao Banco do Brasil, ao BNDES e ao FGTS. No entanto, o que não se divulga é que as pedaladas foram quitadas à custa de – adivinhem (?!) – mais manobras escusas: as contas do Tesouro e do Banco Central foram providencialmente misturadas, solapando o ideal de transparência fiscal que deve reger a dinâmica financeiro-orçamentária.

Coroando o faustiano banquete da irresponsabilidade fiscal, foram editadas pelo Ministério do Planejamento, no apagar das luzes de 2015, quatro providenciais portarias. E o que aconteceu?! Ora, os lucros do BACEN foram transferidos para o Tesouro. O que significa isso, senão financiamento do Tesouro pelo BACEN!?

O (Des)governo Dilma não guarda qualquer resquício de compromisso com o ideal de responsabilidade na gestão fiscal. O que flagrantemente se vê é lambança sendo rearranjada com mais lambança. No Brasil, já não mais se conserva a ideia de previsibilidade. Tanto é assim que, a par de termos sido rebaixados em todas as agências, voltamos a ostentar os medíocres índices econômico-financeiros que ostentávamos na década de 50! O povo está mais pobre, portanto.

E o que foi dito em defesa desse (des)governo? Que as famigeradas pedaladas não configuram empréstimo!

Estou até pensando em me socorrer financeiramente com essa galera bacana. Afinal, não há data para reembolsá-los e, quando do reembolso, não terei que pagar juros! Vejam que beleza…

Percebam que as operações ora em debate foram levadas a cabo nos moldes aqui expostos. Isso é fato inquestionável. Nem mesmo os defensores do (des)governo negam. Mas, segundo a defesa, tais operações não constituem crime de responsabilidade, porquanto semelhante comportamento fora adotado sob a égide do FHC. Afirmou-se, ainda, que a jurisprudência do TCU sofrera refluxo e “passou” a encarar tais estratagemas como crimes de responsabilidade.

Será que a nação merece informações jogadas ao vento dessa maneira? Queremos números e dados palpáveis; não essa manipulação de linguagem.

ABERTURA DE CRÉDITOS ADICIONAIS SUPLEMENTARES

O que seria crédito adicional suplementar? Créditos adicionais suplementares são créditos cuja finalidade é a de reforçar dotações constantes na Lei Orçamentária Anual (LOA). Tais créditos, em regra, devem ser aprovados por lei, porquanto revogarão parte da LOA, municiando determinadas dotações orçamentárias de mais recursos.

Nada obstante, o texto constitucional, notadamente em seu art. 165, parágrafo 8º, permite que a LOA agasalhe permissão dirigida ao Chefe do Executivo no sentido de que se abra, por decreto, crédito adicional suplementar até determinado limite. Note-se que a abertura de adicional suplementar pelo Presidente da República não se dá ao alvedrio da legalidade orçamentária, mesmo porque o Chefe do Executivo age dentro da redoma chancelada pela LOA. No entanto, exaurido o limite, a abertura deve seguir o trâmite legislativo orçamentário. O que fez a Dilma?

Abriu, por decreto, inúmeros créditos adicionais suplementares ACIMA dos limites permitidos pela Lei Orçamentária Anual. Isso também é fato! Contra fatos, como é cediço, não há argumentos. A Constituição foi vilipendiada, sim. Explico: o art. 4º da Lei n.º 12.952/14 (LOA de 2014, que se refere ao exercício financeiro de 2015), consignou que a abertura de créditos adicionais suplementares estava condicionada ao alcance da meta de resultado primário estabelecida.

A meta estabelecida foi solenemente ignorada. Muito embora descumprida a meta, Dilma não hesitou em abrir, por meio de 53 decretos, créditos adicionais suplementares que perfizeram a quantia de R$ 180 bilhões. E o que esse (des)governo fez para referendar o estratagema?

Sem qualquer cerimônia, aumentou a meta do resultado primário, fato que, subrepticimente, fez com que os decretos – editados ao arrepio da Constituição da República – fossem convalidados.

A argumentação da defesa não poderia ter enveredado por outro caminho para conferir uma moldura de legalidade ao indefensável: encampou a falaciosa ideia de que as aberturas se deram legitimamente, porquanto sob a égide de condição resolutória representada pelo cumprimento da meta. É nesse Brasil de praxes mambembes e moralidade flexível que vocês querem viver?

Como se diz por aí: “partiu” estudar Direito Processual Penal, porque o Direito Financeiro só existe mesmo no papel.

* Vanessa Huckleberry é Procuradora do Estado do Rio de Janeiro, Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), bem como nas Pós-Graduações da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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