A supressão do bom senso, o rebaixamento do cidadão e a poda da árvore
Atribui-se ao poeta José Martí (1853–1895), herói da independência cubana, a conhecida frase “plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro: três coisas que toda pessoa deve fazer durante a vida”.
Nos dias atuais provavelmente teria refletido um pouco diferente. A taxa de natalidade decresce em praticamente todo o mundo, por várias razões, desde políticas públicas incentivando famílias menores, até a consciência dos jovens que estão optando por experiências solo.
No século XIX, ter um filho significava trazer à luz um novo ser. Hoje, o verbo “ter” abarca também a adoção que é tão sublime quanto à opção anterior.
Escrever livros, nobre arte que difunde conhecimentos, se tornou pouco atraente para muitos, haja vista as mídias concorrentes e a quase esmola paga pelas editoras, à grande maioria dos escritores não midiáticos, a título de direitos autorais.
Porém, fugindo da obtusidade, a comunicação digital pode sim ser rica, reflexiva e multiplicadora de cultura.
E aí emendamos e nos deteremos um pouco mais na árvore, também exaltada, com muita propriedade, por Martí. Plantar uma árvore, na cidade do Rio de Janeiro em particular, pode significar uma dor de cabeça inimaginável, ao contrário do filho e do livro que trazem infindáveis alegrias e satisfações.
Uma árvore urbana necessita de manutenções, não pode e não deve crescer desordenamente, sob o risco de suas raízes, galhos e frutos causarem graves acidentes aos transeuntes, sobretudo àqueles com dificuldade de mobilidade, aos imóveis e aos veículos.
Na capital fluminense, uma disputa surreal acontece entre a Comlurb e a Light, uma jogando para a outra o abacaxi (ou o fruto que quiserem); até que uma decisão extrajudicial determine a ação de uma dessas duas empresas.
Mas os problemas não acabam com a ordem judicial. A Light diz: “nós apenas liberaremos a fiação envolta pelos galhos, o restante é com a Comlurb”. Ao que a Comlurb devolve: “a Light não fez o serviço completo e abandonou os restos de galhos e as folhas cortados na via, está multada”. A área técnica da Comlurb ainda tenta contemporizar: “o pedido, da pessoa incomodada com a árvore, foi feito de modo errado; não era para pedir a poda, tampouco a supressão, mas sim o rebaixamento da árvore!”. Notem, (1) as três opções (poda, supressão e rebaixamento) existem no protocolo eletrônico da Comlurb, e (2) tanto as áreas técnicas da Comlurb quanto da Light visitaram o local antes da execução.
Poda, supressão ou rebaixamento? Onde estaria o glossário técnico indicando as especificações que o pobre cidadão deve escolher? Rica língua portuguesa e desprezível burocracia burra que permitem essas desculpas esfarrapadas que vêm de encontro aos anseios dos contribuintes. Porque não alinharam (palavra da moda) a intenção do pedido com a realidade que se apresentava aos olhos de quem tem a responsabilidade pelo zelo do passeio público?
Resultados: problema não resolvido, vias interditadas, acidentes, conflitos, desperdício do dinheiro público, degradação da imagem das partes envolvidas e uma bela árvore da espécie munguba (pachira aquática ou falso cacau) malcuidada.
Jose Martí, você foi perfeito em seu conselho, porém me atrevo a completar: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro, as três coisas que toda pessoa deveria fazer durante a vida, sem, porém, descuidar das crianças, dos idosos, da cultura em geral e da gestão ambiental.