A recente alteração do art. 4º da Lei Orçamentária Anual veio dar azo à prática de crime?
À luz dos postulados imanentes ao Direito Financeiro, não posso concordar discutir temas assaz técnicos no restrito espaço que nos confere essa rede social. Mas o farei!
Estão a pulular por aqui teses objetivando comparar a recentíssima alteração do art. 4º da LOA – materializada pela Lei nº 13.332/16 – à corriqueira prática utilizada pela equipe técnica do desgoverno Dilma.
Tratar tema dessa envergadura à custa de “jogo de palavras técnicas” alijadas do seu universo contextual é, no mínimo, perigoso. Afinal, grande parte da população sequer sabe o que quer significar um “crédito adicional”.
Concluído o processo de impeachment e sobejamente constatadas as mais do que flagrantes violações à lei orçamentária, os defensores da ex-presidente, num misto de revolta e indignação, estão lançando mão de quaisquer argumentações para legitimar a tese do golpe com lastro em frases, a um só tempo, de impacto e de fácil assimilação.
Não é novidade que as definições vagas e imprecisas sejam o terreno propício à proliferarão de demagogias de toda sorte. O objetivo é o de desqualificar a brilhante tese da acusação que, municiada de dados técnicos irrebatíveis, nos livrou dessa corja de usurpadores dotados de arrogância incompatível com a miséria intelectual que os assola.
Repiso: não visualizo na alteração ora levada a efeito prática similar àquela corriqueiramente utilizada pelo desgoverno Dilma.
Relativamente ao crime que ensejou o impeachment, segue, abaixo, trecho de um pequeno texto de minha autoria, suficiente a ilidir a argumentação no sentido de que a alteração do art. 4º da LOA corresponde à providencial praxe encampada pela equipe da ex-presidente Dilma.
Com efeito, a alteração respectiva tão somente visa ampliar o limite conferido pela LOA para que o presidente abra, por meio de decreto, adicionais suplementares, situação respaldada pela letra do parágrafo 8º do art. 165 da Constituição da República. Isso em nada se confunde com a nefasta prática dilmal, que consistia em abrir adicionais suplementares por decreto depois de exaurido o limite plasmado na lei e, ato contínuo, alterar a dita lei de sorte a que a inconstitucionalidade pudesse ser “sanada”.
Mais: caso o atual presidente incorra em crime, defenderei seja o mesmo igualmente defenestrado.
ABERTURA DE CRÉDITOS ADICIONAIS SUPLEMENTARES ACIMA DO LIMITE PERMITIDO PELA LEI ORÇAMENTÁRIA
Créditos adicionais suplementares são créditos cuja finalidade é a de reforçar dotações constantes na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Tais créditos, em regra, devem ser aprovados por lei, porquanto revogarão parte da LOA, municiando determinadas dotações orçamentárias de mais recursos.
Nada obstante, o texto constitucional, notadamente em seu art. 165, parágrafo 8º, permite que a LOA agasalhe permissão dirigida ao Chefe do Executivo no sentido de que se abra, por decreto, crédito adicional suplementar ATÉ DETERMINADO LIMITE.
Esse limite é fixado, principalmente, com lastro na meta de superávit primário, cuja previsão encontra guarida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Note-se que a abertura de adicional suplementar pelo Presidente da República não se dá ao alvedrio da legalidade orçamentária, mesmo porque o Chefe do Executivo age dentro da redoma chancelada pela LOA.
No entanto, exaurido o limite, a abertura deve seguir o trâmite legislativo orçamentário.
Pois bem! Está-se a analisar a conduta levada a cabo pela Presidente Dilma, que abriu, por decreto, inúmeros créditos adicionais suplementares ACIMA dos limites permitidos pela Lei Orçamentária Anual.
Assim é que, não só no mandato anterior como também no mês de junho do ano de 2015, foram editados decretos não numerados com o propósito de abrir créditos adicionais suplementares, SEM QUE A META DE SUPERÁVIT PRIMÁRIO ESTIVESSE SENDO CUMPRIDA.
Ano passado tais decretos perfizeram a soma de R$ 2,5 bilhões.
Importante realçar que o TCU já havia se manifestado no sentido de que, levada a efeito dessa forma, a operação estaria a usurpar uma prerrogativa do Poder Legislativo.
A Constituição foi vilipendiada, sim!
Explico: o art. 4º da LOA de 2014 (Lei nº 12.952/14, que se refere ao exercício financeiro de 2015), consignou que a abertura de créditos adicionais suplementares estava condicionada ao alcance da meta de resultado primário ESTABELECIDA na LDO.
Assim também a LOA de 2015 (Lei nº 13.115/15), que, em seu artigo 7º, concedeu autorização prévia para que o Poder Executivo editasse decretos abrindo créditos suplementares, mas condicionados à observância dos requisitos fixados, entre os quais está a necessidade de compatibilização com as metas de resultado primário.
A META ESTABELECIDA NA LDO FOI SOLENEMENTE DESCUMPRIDA. Muito embora descumprida a meta, a Presidente não hesitou em abrir, no ano de 2014, por meio de 53 decretos, créditos adicionais suplementares que perfizeram a quantia de R$ 180 bilhões.
O Governo, de modo a referendar as aludidas aberturas sem respaldo na LOA, propôs, mediante projeto de lei, fosse ampliada a meta do resultado primário. O Congresso aprovou a redução da meta, fato que, subrepticiamente, fez com que os decretos – editados ao arrepio da Constituição da República – fossem CONVALIDADOS, no entender da defesa.
Como se viu, as metas de resultado primário estão na LDO – no caso, a Lei nº 13.080/15, que estabeleceu as diretrizes para o exercício de 2015. ESSA LEI, NO SEU ART. 2º, DEFINIU A META DE SUPERÁVIT PRIMÁRIO NO MONTANTE DE R$ 66 BILHÕES.
Os relatórios de execução orçamentária produzidos no período de edição dos decretos atacados já mostravam a inviabilidade do cumprimento da meta, fato reconhecido pelo próprio Governo, ao encaminhar projeto de lei propondo a alteração da LDO vigente, ante a constatação da frustração de receitas e elevação das despesas.
PARECE-ME EVIDENTE QUE AS CONDIÇÕES PARA A ABERTURA DOS CRÉDITOS SUPLEMENTARES DEVEM ESTAR PRESENTES NO MOMENTO DA RESPECTIVA ABERTURA. SENDO ASSIM, OS DECRETOS ALUDIDOS NA DENÚNCIA FORAM EDITADOS EM DESACORDO COM A AUTORIZAÇÃO CONSTANTE NA LOA. E ISSO SE DERA MESMO APÓS O RECONHECIMENTO DE QUE A META NÃO SERIA ATINGIDA.
Tendo em vista que a apuração do resultado primário faz-se ao final do exercício financeiro, pouco antes de seu término foi proposta e aprovada a Lei nº 13.199/15, modificando a LDO vigente, para fazer constar não mais uma meta de resultado primário de R$ 66 bilhões, mas uma meta de resultado deficitário de R$ 49 bilhões.
UMA MANOBRA CUJA ÚNICA FINALIDADE FOI AFASTAR A ILEGALIDADE DOS DECRETOS, que, embora editados sem observar os requisitos legais à época de sua publicação, no final do exercício passam a estar de acordo com as metas posteriormente fixadas.
Está-se diante de uma FRAUDE, que está em DESACORDO COM TODOS OS PRINCÍPIOS DE RESPONSABILIDADE FISCAL, não sendo admissível que se aceite como justificativa para afastar o reconhecimento da ilegalidade dos decretos.
Diante do descumprimento evidente da regra, mudou-se a regra, e não a conduta – medida que só engana quem faz absoluta questão de ser enganado, como muito bem sustenta o Professor José Maurício Conti.
TUDO ISSO IMPORTA EM ANULAR POR COMPLETO AS FUNÇÕES DA LDO E DA LOA E DEIXAR DE RECONHECER SEU CARÁTER SISTÊMICO NO ORDENAMENTO JURÍDICO, PARA DAR CRÉDITO A UM ARGUMENTO QUE SE AFASTA COMPLETAMENTE DAS MAIS COMEZINHAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO, EXIGINDO QUE ESSAS LEIS SEJAM INTEIRAMENTE DESCONTEXTUALIZADAS DO SISTEMA DE PLANEJAMENTO ORÇAMENTÁRIO DA AÇÃO GOVERNAMENTAL.
A argumentação da defesa não poderia ter enveredo por outro caminho para conferir uma moldura de legalidade ao indefensável: ENCAMPOU A FALACIOSA IDEIA DE QUE AS ABERTURAS SE DERAM LEGITIMAMENTE, PORQUANTO SOB A ÉGIDE DE CONDIÇÃO RESOLUTÓRIA REPRESENTADA PELO CUMPRIMENTO DA META, ENTÃO REDUZIDA.
Com efeito, a possibilidade legal de aumentar gastos sem autorização do Congresso existe, como já deixamos claro. No entanto, de modo a que as aberturas possam se materializar por decreto, é imperioso que o governo esteja cumprindo a meta fiscal, o que não vinha ocorrendo.
Nesse sentido, a Presidente goza da prerrogativa de abrir o adicional por decreto, mas a autorização remanesce condicionada ao cumprimento da meta ou ao comportamento da arrecadação.
No caso em questão, a meta não estava sendo cumprida e a arrecadação estava em franco declínio. Nada obstante, no mês de junho, a Presidente editou seis decretos através dos quais foram autorizados gastos que superaram R$ 2 bilhões.