A crise da fila do INSS precisa de uma solução definitiva

Não se trata apenas de números e de punir fraudadores. A fila do INSS, que ultrapassa quatro milhões de pedidos em análise, é o retrato de um descaso inaceitável com o contribuinte brasileiro, especialmente aqueles em situação de maior vulnerabilidade. A solução apresentada pelo governo, a Medida Provisória 1296/25, cria um alívio temporário, mas não enfrenta a raiz do problema. O texto transfere a responsabilidade para os servidores, em vez de estruturar um plano consistente e duradouro.

A crise previdenciária decorre de falhas graves de gestão.  Não podemos admitir que, em pleno século XXI, com os avanços tecnológicos exponenciais, a Previdência Social ainda se baseie em processos burocráticos e ineficientes. A espera de mais de um ano para a análise de um benefício não decorre de má vontade dos servidores, mas da paralisia de um sistema envelhecido e mal estruturado.

A aprovação de um pedido que poderia levar minutos se estende por meses, impondo sofrimento desnecessário ao cidadão. Casos absurdos, como a solicitação de benefício por incapacidade para uma criança de dois anos, escancaram a fragilidade do modelo atual e a ausência de filtros mínimos nos sistemas da Dataprev. Situações como essa não deveriam sequer chegar ao perito, mas consomem tempo e recursos valiosos.

Enquanto a sociedade avança na era da Inteligência Artificial (IA), o INSS permanece estagnado. A IA já é capaz de analisar, em segundos, o histórico de contribuições de um trabalhador, cruzar dados com a Receita Federal e o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) e verificar se um pedido de aposentadoria atende a todos os requisitos.

Outros órgãos federais demonstram que é possível agir com eficiência. O Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Receita Federal utilizam IA para processar milhões de dados e automatizar rotinas, liberando seus servidores para atividades de maior complexidade. Esse contraste é perturbador: enquanto algumas instituições públicas operam na vanguarda, o INSS mantém práticas ultrapassadas que empurram o cidadão para filas intermináveis.

Sistemas inteligentes poderiam realizar a triagem inicial com precisão, aprovando de imediato os pedidos simples e rejeitando automaticamente aqueles sem fundamento legal. Isso liberaria os servidores para se dedicarem a análises realmente complexas. No entanto, o que se vê é um gargalo artificial, mantido por ineficiência tecnológica, mascarado por bônus temporários que nada resolvem em caráter permanente.

A Medida Provisória 1296, limitada a um prazo de 12 meses, é um remendo frágil. A fila pode até diminuir por um período, mas voltará a crescer assim que a medida expirar. Trata-se de tratar sintomas e ignorar as causas.

A manutenção dessa fila interminável não é apenas um problema administrativo: ela representa um colapso de confiança entre cidadão e Estado. Cada benefício atrasado gera não apenas sofrimento social, mas também custos ocultos ao país — judicialização em massa, sobrecarga do Judiciário e perda de produtividade de trabalhadores afastados. Enquanto nações que modernizaram seus sistemas previdenciários operam com prazos de dias ou poucas semanas, o Brasil insiste em manter um modelo anacrônico que compromete a própria legitimidade da política social mais abrangente do Estado brasileiro.

Essa crise, portanto, não se resolverá com medidas episódicas. A superação desse impasse depende de modernização tecnológica, de processos inteligentes e da valorização de seus servidores. Pelo caminho da gestão profissional moderna, a Previdência Social poderá cumprir, com estabilidade e previsibilidade, o papel para o qual foi concebida, assegurando dignidade ao trabalhador que a sustenta ao longo de toda a vida laboral.

*Adm. Wagner Siqueira é presidente do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro e do Fórum dos Conselhos Profissionais do RJ, e ex-presidente do Instituto de Planejamento da cidade do Rio de Janeiro – IPLAN Rio e do Instituto de Previdência do Estado do RJ – IPERJ.

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