A Obsolescência dos Executivos
Obsolescência é a incapacidade de o executivo manter, face às mudanças da ambiência organizacional, um comportamento adaptativo e inovador, criativo. É o fracasso de alguém que já foi capaz de obter resultados que normalmente seriam dele esperados.
A obsolescência não é um problema cronológico. Pode ocorrer a qualquer momento e com qualquer um. As pessoas não ficam velhas, ficam obsoletas. O que existe está obsoleto. Portanto, se funciona está obsoleto.
Os tipos mais comuns de obsolescência nos ambientes organizacionais são:
Origina-se principalmente da adoção das tecnologias de informação, da cibernética, da pesquisa operacional no mundo da organização e nos ambientes de trabalho.
b) Por mudança da estrutura organizacional.
Alterações estruturais-funcionais na organização, por integração vertical ou horizontal, reformulação administrativa que implique descentralização de serviços, terceirização, quarterização, supressão de órgãos, programas ou atividades, fusões e incorporações, downsizings, joint-ventures.
c) Por mudança do conteúdo ocupacional dos cargos ou dos postos de trabalho.
Ocorre quando o conteúdo funcional e das atribuições de determinado cargo muda, arrastando os seus ocupantes à ossificação de suas competências, conhecimentos e habilidades necessárias ao exercício de seu desempenho.
d) Atitudinal ou psicológica
É aquela advinda da incapacidade de o executivo manter sensibilidade aguçada face aos problemas emergentes de uma nova realidade organizacional.
Preso aos hábitos e costumes do passado, não consegue ser contemporâneo dos novos tempos, do presente vivenciado na emergência de um novo cotidiano.
A atualização dos executivos à inexorabilidade acachapante da obsolescência deve ser:
a) Sistemática e não acidental; permanente e não ocasional, contínua e não episódica.
b) Preventiva e não corretiva. Deve ser com o olhar no futuro e não em função do passado.
O combate à obsolescência dos executivos no mundo das organizações tem se dado por diferentes formas de ação, ao sabor das circunstâncias de cada caso e de cada momento.
Vejamos apenas algumas formas de atuação mais típicas, que o mais das vezes se justapõem ou se interinfluenciam. São os caminhos clássicos que as organizações costumam tratar os casos cotidianos de obsolescência dos executivos:
a) Manutenção do executivo no mesmo cargo, preservando o mesmo status, com todos os símbolos de prestigio e de reconhecimento social, de salários e benefícios, mas efetivamente esvaziado de suas competências e responsabilidades, de autoridade e de poder de decisão. Mantém o cargo, mas é esterilizado em sua capacidade gerencial.
É o rei que reina, mas não mais governa. Passa a ser uma figura apenas decorativa, respeitada por seu passado de contribuições, mantido no seu antigo cargo com o mesmo título, mas afastado do cotidiano das decisões e implementação de ações.
Simbolicamente esta estratégia organizacional também comunica aos circunstantes que a organização reconhece aqueles que contribuíram na construção de sua história, e, assim, busca caminhos respeitosos para o seu reaproveitamento até a saída não traumática de seus quadros.
É menos danoso deixar um individuo obsoleto desfrutar de uma “sinecura” do que o deixar na liderança, ou seja, no comando, na coordenação e no controle dos processos organizacionais, como ele anteriormente os detinha. O custo passa a ser apenas a “sinecura”, e não mais o custo das disfuncionalidades gerenciais e da perda das oportunidades inaproveitadas.
b) Movimentação lateral para uma posição de assessoria.
Há o aproveitamento mais sistemático e institucional de sua experiência e know how para a organização. Perde o comando, mas passa a colaborar no aconselhamento das decisões. Sai da linha de frente, mas passa a contribuir no estado maior da organização, ao nível em que se encontra, no aconselhamento, assessoramento, consultoria, apoio, staff, suporte na formulação do processo decisório e na implementação de políticas de ação. A organização usufrui organicamente de sua experiência e conhecimento para o couseling, mentoring, coaching e auditoria preventiva, mas o retira do cotidiano da linha de frente de decisão.
Muitas vezes as organizações não dispõem de condições objetivas de se livrarem de alguém que tenha atingido o nível de incompetência, a que se referia o conhecido texto de sátira “Todo Mundo É Incompetente, Inclusive Você”, de Laurence J. Peter e Raymond Hull, José Olimpio Editora, concretizado no charmoso Princípio de Peter: “todo individuo tende a subir na escala hierárquica até atingir o seu nível de incompetência”. Corolário deste Princípio de Peter: “depois de algum tempo, todos os altos cargos corporativos tendem a ser ocupados por indivíduos incompetentes. Mas por que as organizações ainda prosperam? Por aqueles que ainda não atingiram os seus níveis de incompetência, mas que logo também chegarão lá”.Assim, é sempre menos dispendioso conceder uma sinecura, agora efetivamente sem aspas, a um individuo obsoleto, incompetente, do que lhe confiar a gestão do cotidiano. Na sinecura ele custa apenas o seu salário e demais benefícios extra-salariais. Encarregado de gerir uma oportunidade, ele inelutavelmente custa tudo o que ganha mais o que a organização deixa de lucrar por sua gestão inapropriada. É promovido por reconhecimento aos serviços prestados á organização, mas deixa inteiramente de influir no processo decisório. Passa a exercer uma função nitidamente de representação institucional, política, de relações públicas, de formação de imagem externa e interna.
d) Rebaixamento do executivo a um cargo de menor status e responsabilidade.
A taxa de morte física e psicológica, inclusive suicídios, produzida por promoções indevidas é apavorante no mundo do trabalho. Atinge indistintamente um universo crescente de organizações em todo o mundo.
Há muitas causas para esse fenômeno moderno, em que os pesquisadores não se cansam de tentar descrever e equacionar, infelizmente ainda sem resultados positivos de solução com relevância social e individual.
Mas certamente dentre essas causas está a insensibilidade para distinção entre competência técnica e competência administrativa, a que Henry Fayol já se referia em sua clássica obra “Administração Geral e Industrial”, publicada nos primeiros anos do último século, conceito especialmente válido e relevante nos dias de hoje: “à medida em que se sobe na escala hierárquica, aumenta a necessidade de competência administrativa em substituição à necessidade de competência técnica, fundamental aos chefes de base”. Ou seja: o técnico tem uma incapacidade treinada para administrar porque ele deriva satisfação psicológica do fazer diretamente, e não do fazer fazer, do obter resultados através dos outros, de derivar satisfação psicológica do que é realizado por terceiros, sem que esteja com “a mão na massa”, diretamente envolvido na execução do trabalho, mas apenas na sua supervisão.
Utilizando-se dessa falsa premissa, as organizações comumente alçam especialistas de sucesso em funções técnicas a cargos de decisão, ganhando maus administradores e perdendo excelentes profissionais técnicos.
Essa é uma tendência que ocorre porque normalmente os cargos de direção são mais bem remunerados, possuem maior reconhecimento e auferem símbolos de prestigio e de status que não costumam ser estendidos às funções técnicas.
Muito se fala na carreira paralela, redefinindo o sucesso profissional ao estabelecer duas categorias idênticas de status e salários, uma para a linha gerencial e outra para os especialistas (técnicos). Muitos poucos a praticam efetivamente, se bem que de constante debate e recomendação em quase todas as políticas de gestão de pessoas no mundo corporativo.
e) Afastamento total, demissão, exoneração, licença ou aposentadoria.
É o fim da linha. A indubitabilidade da obsolescência determina a cessação das relações profissionais do executivo com a organização. É a solução mais fácil, certamente a mais praticada todas as vezes em que existem condições objetivas para tanto.
A questão gerencial típica que se coloca na implementação desta estratégia é como a proceder concomitantemente ao último e derradeiro esforço gerencial no sentido de usufruir-se de uma aprendizagem recíproca, da organização e do gerente a ser afastado.
E assim nos tornamos uma sociedade judicializada, litigiosa, na qual indivíduos e grupos sociais organizados recorrem à Justiça para solucionar questões, algumas vezes comezinhas, que antes teriam sido facilmente equacionadas em processos particulares de solução de conflitos.
Sem pretender considerar o mérito de quaisquer dessas causas, o fato dominante é irrefutável: as mãos do administrador estão cada vez mais presas por questões jurídicas reais ou potenciais. Agora é preciso primeiro consultar o advogado antes de tomar decisões, ainda que rotineiras. Hoje não há gestor público que fique imune sem ser formalmente processado em instâncias administrativas e judiciais. Dentro em pouco, não mais haverá também gestores privados que não passarão por tais vicissitudes, como já acontece crescentemente em organizações empresariais particulares de prestação de serviços em geral e de saúde em particular.
Os Tribunais de Justiça e as instâncias administrativas de controle são, evidentemente, necessários ao estado democrático de direito, à proteção dos direitos individuais e à preservação dos interesses públicos em casos, por exemplo, de negligência, fraude ou quebras de contrato.
No entanto, a confusão, a ambigüidade e a complexidade das leis, agravadas pela lentidão processual e por interpretações conflitantes por partes das esferas julgadoras, conduzem à paralisia institucional. Quando não, o mais das vezes, essas instâncias, como usualmente fazem os representantes do Ministério Público, pretendem substituir através das TACs – tais bizarros termos de ajuste de conduta – a direção, o conhecimento e as capacidades das próprias organizações sobre as quais se arvoram determinar os seus destinos e impor a sua vontade à luz de seus critérios jurisdicistas claramente equivocados, inexperientes e leigos.
Muitas de nossas organizações estão claramente fazendo água em decorrência dessa invasão de forças externas alienígenas.
Sabemos muito bem o que a dependência externa causa nas pessoas: incapacidade para controlar o próprio destino.
Cada vez se tornam maiores as necessidades de acenos externos, de sugestões, de recompensas e de punições. As gerências evitam qualquer comportamento e ação para os quais não concorram apoios externos. As birutas passam a ser orientar apenas pelos ventos externos que sopram lá fora dos muros das organizações. Não havendo sinais externos de aprovação, elas vegetam, tornam-se catatônicas, imobilizadas pela paúra paralisante “do medo do que vã pensar e dizer” os nossos parceiros e stakeholders.
O que determinou as circunstâncias de obsolescência do executivo a ponto de não mais ser recomendável permanecer na organização? Que práticas preventivas deveriam ter sido adotadas? O que fazer para que tal eventualidade não mais se repita ou pelo menos possam ser minimizadas?Como proceder ao desligamento do executivo de maneira respeitosa e contributiva para que possa exercer outras atividades profissionais ou obter uma aposentadoria digna?
Certamente, a obsolescência de executivos é uma das mais cruciais questões de nosso tempo no mundo das organizações. As organizações se mexem, buscam alternativas, mas basicamente não conseguem escapar do círculo de ferro do convencional e do lugar comum.
Adm. Wagner Siqueira
Presidente
CRA-RJ Nº 01-02903-7