Uma questão de ótica
Embora o assunto preponderante desta semana tenha sido o combate ao narcotráfico, que mobilizou não só o Rio de Janeiro, palco maior da audácia dos bandidos e da ação planejada, integrada, eficiente e corajosa das polícias civil e militar, do Estado, a que se somaram às colaborações prestimosas da polícia federal e de contingentes das forças armadas, além de mobilizar todo o país, repercutindo até no exterior, houve lugar, mesmo para aqueles que acompanharam a guerra urbana com apreensão, mas com esperança da vitória das forças do bem, para os dados da pesquisa sobre segurança alimentar divulgados pelo IBGE, no dia 27 de novembro.
Os dados mostram que a fome ainda assombra 11,2 milhões de brasileiros. Conquanto este número mostre que a parcela da população que sofre com insegurança alimentar grave tenha baixado, quando se comparam os dados de 2004 – 8,2%, que correspondia a 14.856 milhões de brasileiros, com os de 2009, 5,8 %, referente a 11,2 milhões, ainda é inaceitável conviver, no país, com mais de 11 milhões de brasileiros passando fome.
Os especialistas ouvidos são unânimes em declarar que a queda ocorrida, nesses cinco anos, na insegurança alimentar, pode ser considerada “bastante expressiva”; mostra “um progresso visível e relevante”, e significa “uma mudança importante nesse período de tempo muito curto”.
Consideram que a diminuição do número de brasileiros que não come todos os dias é fruto da ampliação do alcance do programa de transferência de renda Bolsa Família, que subiu de 6,6 milhões de famílias em 2004, para 12,3 milhões em 2009, aliada ao aumento real do salário mínimo, que foi de 28, 5% nesse período.
Evidente que os números absolutos e os percentuais divulgados pela PNAD 2009, mostram um decréscimo de cerca de 3 milhões no contingente afetado pela fome; mas saber que, ainda há, no Brasil, 11 milhões de pessoas atingidas pela insegurança alimentar é altamente desconfortante.
Os dados divulgados informam que a fome, no Brasil, atinge mais as crianças, as mulheres e os negros. Entre os brasileiros com até 4 anos de idade, 7,5 % sofrem de insegurança alimentar grave, isto é, fome. Na faixa etária de 5 a 17 anos, 8,3 % estão nessa situação. Entre os idosos, 3,6 % estão tão próximos da fome. Nos domicílios onde há crianças e adolescentes (até 18 anos) há insegurança alimentar grave ou moderada em 17,5 % dos que são chefiados por mulheres. Quando o chefe de família é o homem, o percentual cai para 11,5 %.
Entre os brancos, a insegurança alimentar moderada ou grave está em 7,5% dos domicílios. Entre os pretos, em 19,2 %.
A PNAD 2009 mostrou também, um dado impressionante: no grupo atingido pela insegurança alimentar grave, isto é, sem condições de comprar gêneros alimentícios para impedir que a família passe fome, a população brasileira na faixa de insegurança alimentar grave, avançou na conquista de bens duráveis e acesso a serviços.
Nas casas onde não há comida, há fogão, geladeira, máquina de lavar, DVD e até computador. A presença da máquina de lavar nas casas onde o fantasma da fome ainda persiste, passou de 6,5, em 2004 para 11,5 % em 2009. A geladeira passou a estar em 75,7 % dos domicílios atingidos pela insegurança alimentar grave em 2009. Em 2004, esse índice era de 61,3%.
O mesmo ocorreu com o fogão: subiu de 89,9 % para 93,7%. Em relação ao computador, em 2004 somente 36 mil famílias desse grupo tinham computador. Em 2009, esse número chegou a 174 mil lares.
A televisão invadiu os lares mais pobres. São 86,7 % dos domicílios com TV, contra 73, 1 %, em 2004.
Uma fotografia expressiva, tirada em Fortaleza, ilustra esse contrasenso: a mãe com cinco filhos pequenos têm diversão garantida na televisão de segunda mão comprada há menos de um ano. A TV, fica ao lado da geladeira, adquirida há 5 anos, sem qualquer alimento dentro, a não ser água. Essa dona de casa possui fogão, pago em parcelas, com ajuda do Bolsa Família, mas não tem dinheiro para comprar gás. Nos dias em que não tem comida para a família, depende da ajuda de uma irmã ou cunhada.
Pode ser que alguns estudiosos do assunto considerem este quadro normal, a partir do entendimento de que o povo não quer só comer; que a alimentação reflete, apenas, um aspecto do padrão de vida. Possuir eletrodomésticos, para esses estudiosos, é importante para a melhoria de qualidade de vida.
Eu faço uma outra leitura. Adquirir bens móveis que, talvez, para muitos, signifique status, para mim é mais uma prova evidente de que uma parcela de nosso povo, por falta de educação, arrisca a vida da família, subestimando a indispensável e correta alimentação, que, por faltar, traz como conseqüência problemas graves de saúde física e mental, sobretudo para as crianças. Prefere adquirir televisão, computador e outros eletrodomésticos. As pessoas que assim pensam e assim agem nunca terão uma vida de melhor qualidade.
Enquanto não tivermos um povo educado que saiba da importância de atender às necessidades básicas da família, não há programa assistencial que impeça que milhões de brasileiros passem fome, no país.
Quando conseguirmos educar o povo brasileiro, e garantir emprego para jovens e adultos, o Bolsa Família ou outro qualquer programa criado pelos governos passará a ser um programa de desenvolvimento social. Aí, sim, haverá melhoria da qualidade de vida, pois os que receberem o benefício e o salário saberão onde e como aplicá-los prioritariamente