O princípio de segurança jurídica nas decisões dos gestores públicos
Adm. Luiz Antonio da Silva Alves*
A obediência aos preceitos legais é fundamento inafastável dos procedimentos incumbidos a toda pessoa que presta os seus serviços como gestor público, em especial como ordenador de despesas, sendo a legalidade um dos princípios pétreos das nossas atividades, bem como de toda a Administração Pública, a quem cumpre atender ao interesse público, através de políticas específicas, conforme destacado na literatura especializada, como ilustrado do Prof. Jessé Torres:
No Estado pós-moderno, a Constituição é a sede necessária do plano estratégico, isto é, aquela em que se formulam as linhas e diretrizes gerai políticas públicas. Os planos gerenciais e operacionais terão sede em conjuntos normativos infraconstitucionais. Nestes, as ênfases e vias de implementação podem conhecer matizes de predominância de acordo com os comprem que o grupo político eleito estabeleceu com os seus eleitores ao assumir poder estatal. Essas ênfases e vias podem variar, desde que não desnature políticas públicas estrategicamente traçadas pela Constituição, ou enquanto não forem por outras substituídas, por meio do regular processo de emendas à Constituição. Resulta que as políticas públicas contam com distintas fontes norma conforme se trate de concebê-las, delimitá-las, provê-las de meios, disciplinar-lhes a implementação ou disseminá-las. Podem ser expressas em preceitos constitucionais; leis; normas regulamentares, como decretos e resoluções ou instrumentos de colaboração, como convênios e consórcios (art. 24 CR/88).
Maria Paula Dallari Bucci faz ver que: Ao direito cabe conferir expressão formal e vinculativa a esse propósito transformando-o em lei, normas de execução, dispositivos fiscais, e conformando o conjunto institucional por meio do qual opera a política realiza seu plano de ação. Até porque, nos termos do clássico princípio legalidade, ao Estado só é facultado agir com base em habilitação legal realização das políticas deve dar-se dentro dos parâmetros da legalidade e da constitucionalidade, o que implica que passem a ser reconhecidos pelo direito — e gerar efeitos jurídicos — os atos e também as omissões que constituem cada política pública. (TORRES, 2009)
Depreende-se, portanto, que todos os atos administrativos, em especial aqueles que geram despesas para a Administração Publicas devem levar em consideração a necessidade da total obediência aos preceitos legais e normativos, atendendo ao princípio da segurança jurídica. Nessa esteira, à guisa de exemplo temos no Rio de Janeiro, dois órgãos que precisam ser considerados como balizadores dos atos dos gestores:
- a) A Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, que é o órgão coordenador do Sistema Jurídico do Estado, por força da Lei 5.414/2009;
- b) O Tribunal de Contas do Estado, que é, constitucionalmente, o órgão responsável pelo controle externo.
No caso da Procuradoria Geral do Estado, a lei (estadual) 5.414/2009 orienta que:
Art. 2º Às Assessorias Jurídicas das Secretarias de Estado compete:
I – assessorar os titulares das pastas no controle interno da legalidade dos atos dos órgãos das Secretarias de Estado e dos entes da Administração Indireta;
II – assessorar os titulares das pastas na interpretação de atos normativos, de atos editados pelo Poder Público, de contratos e outros instrumentos celebrados pela Administração, observado o disposto nos artigos 3º e 4º;
III – responder, após manifestação dos respectivos serviços jurídicos, às consultas formuladas pelas entidades da Administração Indireta, sempre mediante iniciativa dos titulares das pastas, observado o disposto nos artigos 3º e 4º;
IV – colaborar na elaboração de minutas de atos administrativos, de decretos e de anteprojetos de lei de interesse das respectivas pastas;
V – examinar, previamente, os projetos de reforma estatutária, os acordos de acionistas e quaisquer outros atos dos entes da Administração Indireta em relação aos quais a legislação exija a aprovação de Secretário de Estado ou do Governador do Estado;
VI – examinar e aprovar, previamente, observadas as minutas padronizadas pela Procuradoria-Geral do Estado, as minutas de editais de concurso público, de licitação, de contratos, convênios, ajustes e acordos, inclusive de natureza trabalhista;
VII – opinar, previamente, sobre os atos em que se pretenda reconhecer a inexigibilidade ou decidir pela dispensa de licitação, ressalvados, a critério do administrador, os atos de dispensa em razão do valor;
VIII – elaborar as minutas de informações a serem prestadas ao Poder Judiciário em mandados de segurança, mandados de injunção, habeas corpus e habeas data impetrados contra ato de Secretário de Estado e, a pedido deste, contra ato de outra autoridade superior da respectiva Secretaria;
IX – remeter à Procuradoria-Geral do Estado cópia da petição inicial e das informações prestadas, no caso do inciso anterior, bem como cópia das decisões judiciais que lhes forem comunicadas pelo Poder Judiciário;
X – fornecer à Procuradoria-Geral do Estado os subsídios necessários à defesa do Estado em juízo, velando pelo cumprimento dos prazos por parte dos órgãos da Secretaria que disponham da informação, bem como pela resposta integral às indagações formuladas;
XI – supervisionar, sob a coordenação da Procuradoria-Geral do Estado, as atividades dos serviços jurídicos dos entes da Administração Indireta;
XII – defender os interesses do órgão em contenciosos administrativos.
Já com relação ao Tribunal de Contas “a Constituição da República/88 ampliou sensivelmente as atribuições do Legislativo para a fiscalização e controle dos atos da Administração em geral” (MEIRELLES, 2015), por força do Art. 71., conjugado com o art. 75:
Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
Parágrafo único. As Constituições estaduais disporão sobre os Tribunais de Contas respectivos, que serão integrados por sete Conselheiros. (CF, 1988)
No nosso entendimento a atenção aos preceitos técnicos e jurídicos dessas duas casas tem como resultado mais imediato o conforto se produzir atos com total obediência aos princípios constitucionais, uma vez que ambas as casas têm como corolário principal, sem prejuízo de outras questões técnicas, a garantia da obediência às boas práticas de administração pelos gestores públicos, o que contribui para a produção de atos corretos à luz da legislação.
Dessa forma, seria inadmissível deixar de lado a oitiva prévia das assessorias jurídica, justificado em urgências no atendimento ao interesse público, importância dos empreendimentos e coisas do gênero. Deve-se a todo modo evitar e qualquer arrepio ao princípio da legalidade, mas também aos demais preceitos constitucionais, que são moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica, motivação, ampla defesa, contraditório, supremacia do interesse público e eficiência (MEIRELLES, 2015).
Pode haver, contudo, ocorrência de não ter havido uma análise jurídica prévia por algum tipo de falha. Neste caso, desde que não seja por dolo, cabe a Administração realizar a devida correção, guardadas a necessidade de apuração rigorosa do fato e devidamente documentada. A necessidade de apuração dos fatos, na forma prevista na norma adequada, através de rito próprio, com prazo definido e transparência, não deve paralisar o andamento processual. Resolvida apuração dos fatos e as devidas responsabilidades poderá, então, a Administração prover uma análise jurídica posterior referente ao processo com problema.
A qualquer tempo, pode-se (deve-se) determinar a audiência da assessoria jurídica. Daí poderá derivar a invalidação do certame ou o suprimento do vício, conforme a assessoria reconheça a existência de defeito ou entenda que tudo está regular. (JUSTEN FILHO, 2019)
Concluindo, consideramos que o suporte permanente dado pelas Assessorias Jurídicas aos gestores, independentemente dos estudos e obrigações próprios incumbidos à mesma, quanto à legalidade e outros preceitos constitucionais, vai garantir e ampliar, em muito, a qualidade dos atos administrativos que são produzidos no âmbito da Administração Pública.
Prevenindo vícios de origem, a atuação das Assessorias Jurídicas garante o princípio de segurança jurídica e, ainda, com grande importância ajuda ao alcance da eficiência, que, vis-à-vis é a finalidade da Administração Pública para atender à população.
Esperamos que com essas observações ter dado uma ideia sobre a importância da colaboração permanente das Assessoria Jurídicas nas decisões dos gestores.
Referências:
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Lei nº 5414, de 19 de março de 2009. Disponível em: http://www.alerj.rj.gov.br.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 18ª Ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.
MEIRELLES, Hely Lopes; ALEIXO, Décio Balesteiro; BURLE FILHO, José Emmanuel. Direito administrativo brasileiro. 41ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restellato. Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
*Adm. Luiz Antonio da Silva Alves é especialista em Administração Pública, Analista da Empresa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio).