Eu sou você amanhã!
A minha empresa fez também comigo naquele dia o que já havia feito com alguns outros colegas: de uma hora para outra, me botou no olho da rua, pela porta afora. Desde então, descubro horrorizado, o que significa ser um desempregado em nosso país aos 50 anos. Inicialmente, você nega para si mesmo a nova condição em que se encontra. Não acredita nela e a contesta: a minha empresa não podia fazer isso comigo! Logo eu que tudo fiz por ela, muitas vezes no sacrifício de minha família e de minha saúde!
O seu mundo desaba: vai à nocaute, mas fica de pé.
Acordado vive o pesadelo de não ter para onde ir ao se levantar todos os dias de manhã. Você não compreende nem aceita a decisão de sua gerência, mas sobretudo se torna incompreensível a violência com que se dá a sua saída de empresa, anunciada aos outros bem antes do que a você. O discurso da franqueza e da autenticidade, do respeito e da privacidade, em que você sempre acreditou como um valor ético da organização, agora se desmoraliza: todos já sabiam de sua demissão muito antes de você, rigorosamente tratado como “o marido enganado — o último a saber”. Um cheque nominativo como bilhete azul do acerto de contas e nada mais!
“Por favor, nada de fazer onda”, é o que lhe diz o gerente de recursos humanos, que sempre gostou de ser chamado de “gerente de pessoas”, sob a justificativa de que ser humano não é recurso. E aí você, incrédulo, lhe responde: “tudo bem, isto é assim mesmo, nada de grave nem de pessoal. Eu logo estarei recolocado”. Afinal, você sabe que tem currículo e uma excelente rede de relacionamentos. Doce ilusão! “É verdade, não há razão para se preocupar”, despede-se o gerente de recursos humanos com a sempre falsa cordialidade dessas horas. E você diz para si mesmo: “é isso aí — é preciso virar a página”!
Então, cheio de dinamismo e de pensamento positivo, como sempre lhe ensinaram nos treinamentos gerenciais de fins de semana oferecidos pela empresa, você parte em busca dos headhunters e das agências de colocação. Janta com os colegas de faculdade, almoça com todos aqueles com os quais se relacionou nos últimos anos. Responde aos anúncios de jornal, cadastra-se nos sites especializados de emprego, procura o banco de colocação de seu sindicato e os programas de empregabilidade existentes no mercado. E nada de conseguir uma colocação!
Você logo percebe que as respostas são evasivas, as oportunidades vagas, os almoços e jantares cada vez menos frequentes. De repente, depara-se com a realidade. Um dos seus interlocutores secamente lhe diz a cruel verdade, que tanto você se recusava a enxergar: “o problema é a sua idade! Como você vai querer se recolocar se já atingiu a idade fatídica? Você agora é como um carro batido: ninguém se disporá a lhe contratar. O jeito é virar consultor”, sentencia. Mas este caminho, você bem o sabe, é o eufemismo codificado da linguagem profissional para dissimular o desemprego definitivo.
Justamente quando atinge o seu nível de maior maturidade profissional, em que está efetivamente pronto para oferecer o que tem de melhor de competência acumulada, você passa a integrar o grupo etário daqueles difíceis de contratar, ora porque ameaçam os contratantes muitas vezes menos qualificados de funções gerenciais, ora porque são pretensamente mais caros e exigentes, e ainda são acusados de baixa mobilidade e de refratários à mudança.
O mundo das organizações no Brasil, com essa prática de “gestão de pessoas”, joga os mais de 50 anos numa nova categoria de profissionais: agora você não é mais um colaborador, muito menos um recurso ou um ativo organizacional. Passa a ser um encargo. Para muitas, pior ainda: apenas um peso morto a ser extirpado da folha de pagamentos. Como resistir a essas circunstâncias é o desafio que se coloca para cada um daqueles que vive esse momento. Como sobreviver na longa trajetória que ainda têm a cumprir até chegarem à idade legal da efetiva aposentadoria? Que cada um reencontre o seu caminho.
Em verdade, um novo caminho bem acidentado, que se recusa a deixar caminhar, cheio de obstáculos e de preconceitos. E você, jovem profissional, que ainda vai viver mais duas ou três décadas para passar dos 50 anos, não duvide da inevitabilidade do “Efeito Orloff — eu sou você amanhã”. Comece a desconstruir agora as circunstâncias que engendram a realidade que eu e muitos outros vivemos no cotidiano das organizações. Só assim amanhã você não vai aumentar as estatísticas do que eu hoje sou — um desempregado sem lenço e sem documento, largado na beira do caminho.