Desigualdade social e o Welfare State brasileiro
RESUMO: Esse trabalho procura examinar a correlação entre as desigualdades sociais e a construção do Welfare State no nosso país até o período do governo Fernando Henrique Cardoso. O sistema de proteção social brasileiro, o Estado do Bem-Estar, carrega consigo um histórico pautado pela tradição e pelo conservadorismo. A proteção social caracterizou-se ao longo de muitas décadas como residual, pontual e fragmentada. Procurou-se indicar nesse artigo que é somente com a Constituição de 1988 que a proteção social passou a ser concebida sob a perspectiva de direito da cidadania, direito a prestações positivas do Estado, em prol da redução das desigualdades sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Desigualdades sociais – Welfare State – Welfare State no Brasil – Distribuição de renda e cidadania.
1. INTRODUÇÃO: O CONCEITO DE WELFARE STATE
O conceito de Welfare State ou Estado de Bem Estar Social1 nasce com base na concepção de que existem direitos sociais indissociáveis à existência de qualquer cidadão. Segundo esta concepção, todo o indivíduo tem o direito, desde seu nascimento, a um conjunto de bens e serviços que devem ser fornecidos diretamente através do Estado, ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil. Esses direitos contemplam cobertura de saúde e educação em todos os níveis, auxílio ao desempregado, garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para sustentação dos filhos, etc.
Segundo Sônia Draibe (DRAIBE, 1989, p. 18) são características comuns das definições de Welfare State as seguintes:
- a tendência do Estado de modificar o livre funcionamento do mercado;
- o princípio de substituição do rendimento em caso de perda temporária ou definitiva da capacidade de obtê-lo, para a prevenção dos riscos próprios inerentes à economia de mercado (velhice, doenças, maternidade, desemprego);
- a garantia, mesmo para os excluídos do mercado de trabalho, de uma renda mínima a um nível considerado suficiente para a satisfação das necessidades sociais e culturais essenciais.
Essa última caracterísitica de práticas universalistas de garantia de uma renda mínima caracterizam somente as tendências recentes de proteção social e não o Welfare State em sua concepção mais abstrata.
Para Claus Offe (OFFE, 1972, p. 482-485), o Welfare State é essencialmente um fenômeno das sociedades capitalistas avançadas, as quais (sem exceção) criam estruturalmente problemas endêmicos e necessidades não-atendidas. Neste contexto, o Welfare State seria uma tentativa de compensar os novos problemas criados por estas sociedades. Assim, a emergência dos Estados de Bem-Estar não apenas não representa uma mudança estrutural das sociedades capitalistas, mas seria essencialmente uma resposta funcional a seu desenvolvimento:
O Welfare State não pode lidar diretamente com as necessidades humanas fundamentais; ele pode apenas tentar compensar os novos problemas que são criados na vaga do crescimento industrial. (OFFE, 1972, p. 482).
Segundo Offe, o desenvolvimento do capitalismo gera problemas sociais, tais como: necessidade de moradia para os trabalhadores concentrados pela indústria, necessidade de qualificação permanente da força de trabalho, desagregação familiar, etc. Ou seja, em seu desenvolvimento, o capitalismo destrói formas anteriores de vida social (ou instituições sociais), gerando disfuncionalidades, as quais se expressam sob a forma de problemas sociais. O Welfare State representa, portanto, formas de compensação, um preço a ser pago ao desenvolvimento industrial. Mais que funcional, o Welfare State é um desdobramento necessário da dinâmica de evolução destas sociedades, uma vez que há pequena margem para escolhas. Isto é, segundo o autor, a emergência de programas sociais não é resultado de escolhas, porque as alternativas de políticas são pequenas. São as condições econômicas e sociais que determinaram a emergência do Welfare State, e não opções feitas no campo do político:
(…) padrões ideológicos não são apenas ausentes, mas eles seriam inaplicáveis mesmo se existissem, porque a margem para políticas alternativas “viáveis” é muito pequena para permitir escolhas baseadas em princípios. É exatamente esta situação que melhor descreve o desenvolvimento do Welfare State. Plataformas dos partidos e resultados eleitorais parecem não ter influência na percentagem do orçamento estatal que é gasto para fins de Welfare ou em novos programas de Welfare que são criados. Muito mais importantes como determinantes das políticas (“policies”) são variáveis econômicas tais como o crescimento da produtividade, a extensão da mobilidade social, o nível tecnológico das indústrias básicas, o tamanho e composição da força-de-trabalho, a estrutura de idade da população e outros indicadores macroeconômicos e macrosociológicos. (OFFE, 1972, p. 484).
Claus Offe nega explicitamente determinantes de ordem política na emergência dos programas sociais, dizendo que a decisão política no Welfare State está fadada a ser bastante reduzida. Ao contrário, aqueles programas expressam a natureza do Welfare State, qual seja, um contínuo processo de adaptação aos problemas sociais postos pelo desenvolvimento do capitalismo:
A lógica do Welfare State não é a realização de algum objetivo humano intrinsecamente válido, mas antes a prevenção de um problema social potencialmente desastroso. (…) Esta maneira tecnocrática e absolutamente apolítica de reagir a pressões sociais emergentes condena o Welfare State a um infindável e errático processo de auto-adaptação. (OFFE, 1972, p. 485).
Portanto, podemos compreender o Welfare State como um aspecto funcional do desenvolvimento do modo de produção capitalista, em que os programas sociais seriam fundamentalmente uma forma de corrigir/compensar disfuncionalidades, expressas no plano social, da operação do sistema capitalista.
Consoante Marcelo Medeiros (MEDEIROS, 2001, p. 8), as circunstâncias do surgimento e do desenvolvimento do Welfare State no Brasil são diferentes das observadas nos países desenvolvidos. Além de ocorrer sob uma posição diferente na economia mundial, o processo de modernização brasileiro é marcadamente segmentado, com setores industriais modernos convivendo com setores tradicionais e com a economia agrárioexportadora. O controle do mercado para produtos industriais por meio de políticas de massificação do consumo foi um aspecto secundário para um Estado preocupado com estratégias protecionistas, disponibilidade de insumos e investimentos em bens de capital e infra-estrutura.
No período de industrialização do Brasil, a possibilidade de se utilizar o Welfare State como instrumento de controle da demanda agregada era reduzida. Problemas de superprodução estavam muito mais relacionados ao comportamento do setor externo do que a flutuações nos níveis nacionais da demanda e o número restrito de trabalhadores beneficiados limitava a efetividade das políticas como mecanismo de expansão do consumo. No Brasil, o Welfare State surge a partir de decisões autárquicas e com caráter predominantemente político: regular aspectos relativos à organização dos trabalhadores assalariados dos setores modernos da economia e da burocracia.
2. O WELFARE STATE NO PERÍODO MILITAR (1964-1985)
Por sua origem, o sistema de proteção social brasileiro carrega consigo um histórico pautado pela tradição e pelo conservadorismo. A proteção social caracterizou-se ao longo de muitas décadas como residual, pontual e fragmentada. Faz parte de seu histórico, ainda, a existência da mediação entre a população beneficiária e o Estado por meio das organizações da sociedade civil. Ao resistir por reconhecer a proteção social como direito a ser garantido pelo Estado, o Poder Público construiu uma tradição de relação com as organizações da sociedade civil em que se colocavam em foco as iniciativas dessas organizações e não as necessidades da população a quem elas se dirigiam. Esse padrão de mediação reforçava a subalternidade da população usuária e confundia as esferas pública e privada, num jogo que obscurecia suas delimitações e suas relações, constituindo mais uma das facetas dos obstáculos para a efetivação da cidadania, nesses segmentos.
Interessante é observar a situação brasileira na conjuntura do período militar (1964-1985). Enquanto os países capitalistas desenvolvidos constroem o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), no modelo keynesiano de economia de mercado, combinando crescimento econômico e pleno emprego com políticas sociais que potencializam a produção e o consumo, forja-se gradativamente um Estado meritocrático, com a adoção de uma política seletiva e focalista, voltada às categorias com mais poder de reivindicação. Aqui, os serviços sociais são estendidos a alguns trabalhadores, privilegiando-se certas categorias, não sendo dirigido a todos e nem a todas as necessidades (MESTRINER, 2001, p. 142-3).
O período ente 1964 a 1985 associa a proteção social à repressão em uma fase da política brasileira de profunda restrição das liberdades individuais, perante a ditadura militar. No plano econômico e social, o período da ditadura militar foi marcado pela redução da renda do trabalho, e, conseqüentemente, pelo crescimento das desigualdades sociais e pelo agravamento da “questão social”. Diante deste cenário, as ações assistenciais serão mais uma vez utilizadas para amenizar o estado de empobrecimento da população, inclusive dos trabalhadores.
Paradoxalmente registra José Murilo de Carvalho (CARVALHO, 2005, p. 170) o desenvolvimento de alguns aspectos do Estado de Bem-Estar social nesse período, uma vez que, segundo o autor, é comum na história brasileira os avanços nos direitos sociais ocorridos ocorrerem em regimes autoritários, em detrimento dos direitos políticos e civis. Portanto, como nos anos 30, a instalação de um regime restritivo dos direitos civis e políticos marca, concomitantemente, a ampliação dos direitos sociais e a extensão do sistema de aposentadoria para os trabalhadores rurais.
Como registra Rodrigo David de Albuquerque (ALBUQUERQUE, 2007, p. 29-33), exemplos de ações para a promoção da proteção social no âmbito do governo militar são numerosos. Podemos citar, dentre outros, a criação em 1966 do Instituto Nacional de Seguridade Social (INPS), que unificou o sistema (com exceção das pensões no serviço público, que conservaram os seus próprios institutos) e substituiu os antigos IPAs (Institutos de Aposentadoria e Pensões), uniformizando os benefícios. No sistema unificado, os problemas financeiros do IAP deficiente foram supridos pelos recursos do IAP excedente. Os sindicatos e as entidades patronais também perderam a co-gestão, sendo o controle exercido exclusivamente, agora, pela burocracia estatal. As prestações (benefícios, aposentadorias e assistência médica) são também uniformizadas e o sistema de financiamento por capitalização é substituído por um sistema público de repartição simples.
Além disso, o objetivo da quase universalização do sistema de aposentadorias é também conseguida com a criação, em 1971, do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), que inclui trabalhadores rurais no sistema previdenciário.
Os únicos grupos profissionais ainda excluídos do sistema formal, trabalhadores domésticos e os trabalhadores por conta própria, também são incorporados em 1972 e 1973, respectivamente. Apenas permanecem excluídos aqueles que não têm empregos formais. Os trabalhadores temporários das empresas são incluídos, por sua vez, em 1974, ano de nascimento também do benefício da renda mensal vitalícia para pessoas com idade acima de 70 anos e deficientes que não tenham contribuído o sistema público de pensões. Para coroar a implementação destas novas medidas, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) foi fundado em 1974. A padronização e a universalização do sistema de aposentadorias, que não poderiam ser realizados em uma democracia, se implantou com relativa facilidade nos governos militares.
Por outro lado, para compensar a flexibilidade da legislação trabalhista e o fim da estabilidade do emprego, foi concedida pelo Estado aos empregados uma forma de seguro de desemprego, em caso de “desaceleração econômica” (demissão mais de 50 pessoas, sem culpa), em 1965. Trata-se do Fundo de Assistência ao desempregado (FAT), atribuível pelo período máximo de seis meses e não deveria exceder 50% do salário mínimo. Posteriormente (em 1966), criou-se o Fundo de Garantia por Tempo Serviço (FGTS), que representa 1% da folha salarial das empresas, de modo a tornar mais flexível e menos dispendioso o processo de demissão. O FGTS passa a funcionar como uma espécie de seguro desemprego, porém, restrito aos trabalhadores do setor formal.
Sérgio Abranches (ABRANCHES, 1985, p. 59) descreve a prática dos governos militares como uma associação entre estatismo e privatização. O estatismo é refletido no crescimento generalizado da máquina burocrática na esfera social, na centralização e na natureza geral de governos autoritários, enquanto a privatização também tomou várias formas, como as que se seguem (DRAIBE, 1990, p. 33):
• adoção de critérios do mercado como parâmetros da ação social do Estado (por exemplo, lógica de eficiência e de equilíbrio financeiros, de autofinanciamento, de participação financeira do usuário, visão de serviços sociais como mercadorias, etc.);
• abertura do aparelho do Estado para interesses privados;
• o financiamento público da produção privada de bens e serviços sociais (por exemplo, construção de hospitais privados pelo Estado, compra pelo sistema público de serviços médicos do setor privado, o financiamento do ensino privado, etc.). Os recursos para o setor privado, para satisfazer a crescente procura de serviços de saúde notadamente, foram substituindo em larga medida o investimento público em questões sociais;
• transferência da prestação dos serviços sociais do Estado para as empresas privadas ou organizações do terceiro setor (por exemplo, incentivos para a substituição das assistências à velhice e à saúde públicas por aquelas do setor privado).
Consoante expõe Maria Lúcia Werneck Vianna (VIANNA, 1998, p. 52), ocorreu um processo gradual de “americanização” (perversa) da segurança social, mais evidente no setor da saúde, mas também notado em todas as áreas de intervenção pública na vida social. A ditadura, especialmente no período final, propugnou a liberação dos direitos para o benefício daqueles que antes excluídos, mas nivelou a segurança social em níveis tão baixos que acabou por remover do sistema público a grande maioria dos trabalhadores formais e da classe média assalariada. Substituiu, pois, o modelo de “alemão” (Bismarck) pelo modelo de seguro social “americano” (seletivo), em oposição ao modelo “inglês” (Beveridge) do espírito da Constituição de 1988.
Esta adoção do modelo americano, entretanto, segundo a autora, seria feita de uma maneira perversa. Enquanto, nos Estados Unidos, a maioria da população tem acesso a proteção por parte do mercado (pelo indivíduo ou grupo de seguros relacionados com a atividade) e o sistema público (por exemplo, Medicaid e Medicare) é restrito a uma minoria da ordem de um quinto da população, os valores são invertidos no caso brasileiro: esta proporção se refere às pessoas que têm acesso aos seguros privados, a grande maioria da população (por ser pobre) é dependente o sistema público, que, numa situação de sub-investimento, não satisfaz as suas necessidades senão de uma forma precária. Isto é verdade no que diz respeito à saúde, ao ensino primário e secundário, ao saneamento e mesmo à aposentadoria.
Francisco de Oliveira (OLIVEIRA, 1988, p. 18) ressalta também a atuação do Estado no período militar no financiamento da reprodução da força de trabalho, por meio da atribuição de um salário indireto, que tem como função a redução dos salários diretos, pagos pelo empregador. O salário indireto são os serviços públicos de reprodução social e constituem os gatos sociais do Estado. Assim, há uma socialização dos custos da reprodução do capital, por meio do financiamento público. O fundo público tornou-se pressuposto da acumulação do capital por duas vias: pelo financiamento da reprodução da força de trabalho e pelo financiamento da reprodução do capital, por exemplo, por meio de subsídios financeiros, isenções fiscais e investimento em pesquisas científicas e tecnológicas. Na avaliação do autor, este fenômeno, inclusive o gasto social, tornou-se indispensável para a acumulação capitalista.
Ao assumir esse caráter de acumulação, o período ditatorial introduziu algumas mudanças nas políticas sociais. Na saúde e na previdência houve ampliação dos serviços e das coberturas. Também na educação amplia-se, quantitativamente, o acesso. A assistência social, contudo, assume cada vez mais o caráter tradicional. Houve ampliação de serviços e programas, porém com maior seletividade do público usuário, com pulverização das ações e segmentação do usuário por faixas etárias (crianças, adolescentes e idosos), necessidades e problemas (doenças, deficiências, dependências a substâncias, entre outros).
Estes são os traços gerais de um Estado protecionista mitigado, pela sua fragilidade no enfrentamento da pobreza. Esse padrão consolida-se, no período, como forma de compensação pelo agravamento da questão social, isto é, redução da renda do trabalho e crescimento da pobreza. Embora a proteção social amplie seu campo de ação, com uma pluralidade de serviços, programas e projetos, muitas vezes como retaguarda da saúde, a assistência não obtém efetividade diante do crescimento e recrudescimento das desigualdades. Como retaguarda de outras áreas, o sistema desenvolve pretensiosas propostas de formação e colocação de mão-de-obra, implantação de creches, melhoria de habitação, alfabetização de adultos e outros.
3 O WELFARE STATE NO PERÍODO DA REDEMOCRATIZAÇÃO (1986-1993)
No Brasil do período de 1985 a 1993, a proteção social se distingue no momento que marca o retorno à democracia e ao Estado de direito. Esse período é também marcado pela importante conquista da Constituição cidadã, em 1988. É um período contraditório, de conquistas e frustrações. Conquistas no sentido de vermos assegurado, na carta constitucional, um conjunto de direitos, inclusive o direito dos cidadãos e cidadãs à proteção social, e frustrações, por não vermos a efetivação de tais direitos.
O sistema de proteção social brasileiro inclui, desde a Constituição Federal de 1988, as garantias de direito à saúde, previdência e assistência social. Esse é um marco para os direitos sociais no Brasil, pois ocorre a ampliação do sistema de proteção social e instituição de princípios de universalização. No entanto, a sustentabilidade de um sistema de proteção social universalista exigiria a integração entre as políticas públicas sociais e as políticas de emprego. Isso seguramente não ocorreu no Brasil. Desse modo, a aplicação dos preceitos constitucionais de direitos sociais é algo ainda em disputa no Brasil.
A partir deste marco constitucional, a saúde e a previdência social conquistaram maior relevância e se firmaram enquanto política pública, o que implica em responsabilidade e compromisso públicos, bem como na existência de orçamento próprio. No tocante à assistência social, que ainda depende das “sobras” orçamentárias, o processo segue ritmo diferente. A previdência social e a saúde avançaram com mais velocidade na concretização das conquistas constitucionais, ainda que não plenamente.
A principal diferença entre essas 3 áreas diz respeito às normas de financiamento: existem regras obrigatórias para a saúde e a previdência social, assim como para a educação, se alargarmos a comparação com outras políticas sociais, e não se observa determinação de regras para a assistência social. Também é fundamental, para explicar essas diferenças de ritmo, a ausência, compreensível, das usuárias e dos usuários nas reivindicações pela garantia dos direitos assistenciais.
Tal como fora construído, o sistema de proteção social brasileiro concilia direitos de base contributiva e não-contributiva, como ocorre, por exemplo, no caso da previdência que teve sua concessão ampliada na Constituição de 1988 com a implantação da aposentadoria para trabalhadores e trabalhadoras rurais sem contribuição. Considerando-se que o trabalho informal pode representar a metade, ou até mais, da população brasileira economicamente ativa, existe um quadro de limitações das coberturas da previdência social contributiva. Por outro lado, o direito à saúde, com a implantação do SUS, também após a Constituição de 1988, institui-se como direito universal e gratuito. Já a assistência social, como sistema de proteção gratuito e focalizado para atendimento às pessoas pobres sem capacidade contributiva, é a parte mais frágil do tripé desse sistema. A política nacional de assistência social, por ser seletiva e exigir o cumprimento de condicionalidades, não participa de um arranjo de direito universal.
Com os avanços e recuos desse período de 1986 a 1993, a proteção social fica em um pêndulo entre a benemerência, entendida como caridade, e a assistência social, entendida como direito. Por um lado, há a afirmação da noção de direito, com a Constituição e a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, ainda dentro do período. Por outro lado, assiste-se a um desmantelamento das instituições governamentais na área da assistência, atingidas por escândalos de corrupção, nepotismo e clientelismo, e por reduções orçamentárias significativas. Os princípios de democratização, participação e descentralização são inseridos no arcabouço legal da assistência social, porém seu arranjo institucional não reflete tais princípios.
Há uma contradição entre as aspirações da população e dos novos movimentos sociais e o imobilismo do Estado brasileiro, afundado em crises fiscais, financeiras e políticas.
4. O WELFARE STATE NO GOVERNO FERNANDO HENRIQUE CARDOSO (1995-2002)
A novidade, o avanço no modelo da assistência social brasileira, a partir do final da década de 1990, é a prioridade dada aos programas de transferência de renda. Este é o resultado de um processo de reorganização institucional das políticas sociais que causou impacto direto na assistência social, especialmente após a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), de 1993.
Também representa a incorporação das influências de um debate internacional sobre programas de transferência de renda, bem como das orientações de agências internacionais de cooperação para o combate à pobreza.
Tomando-se como base o marco legal da Constituição e da LOAS, a proteção social brasileira passou a construir sua base discursiva ancorada na noção de direito social, o que é acompanhado pelo esforço governamental, nos últimos anos, de ampliação do atendimento nas três dimensões da seguridade social: previdência, saúde e assistência.
O período Fernando Henrique Cardoso (FHC) caracterizou-se sobretudo pela tensa conciliação dos objetivos macroeconômicos da estabilização com as metas de reformas sociais voltadas para a melhoria da eficiência das políticas públicas. Os problemas de agravamento da crise fiscal do Estado, comuns em todo o mundo na década de 1990, foram entendidos como tendo sido causados por gastos públicos sociais significativos, geridos de forma excessiva e desperdiçadora de recursos. Dessa maneira, uma série de reformas para as políticas sociais foi concebida e algumas delas efetivamente implementadas.
De acordo com Draibe (DRAIBE, 2001, p. 133), para a correção de rumos previu-se avançar nos processos de descentralização, focalização e estabelecimento de parcerias com o setor privado, lucrativo ou não. No entendimento do governo, a idéia central para a defesa da descentralização era a de que a eliminação de atividades-meio resultaria em uma maior efetividade das políticas, já que transferiria para a ponta dos sistemas a responsabilidade pelo estabelecimento das prioridades a serem atendidas. O processo tornar-se-ia mais transparente, pois permitiria um melhor e mais próximo acompanhamento e fiscalização das aplicações dos recursos e prestação dos serviços.
A focalização consistia no estabelecimento de critérios para selecionar a população-alvo de um programa entre aqueles que dele mais necessitassem. Foi assim apresentada como uma forma de inserir os mais pobres, os excluídos do processo produtivo, no raio de ação das políticas públicas. Sustentava-se que no caso brasileiro a focalização não significaria necessariamente redução de serviços sociais básicos, mas justamente uma estratégia de fazer com que estes chegassem aos mais pobres.
O governo FHC compreende dois mandatos: de 1995 a 1998, e de 1999 a 2002. O primeiro mandato corresponde à implementação do Plano Real e vai até o momento da sua crise ao longo do ano de 1998. A etapa seguinte corresponde ao período de administração da crise. Estes momentos significam posturas macroeconômicas distintas e correspondentes políticas públicas. No que diz respeito ao comportamento dos gastos sociais, também são períodos distintos. A eleição e os primeiros anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso, iniciados em 1995, se beneficiam da estabilização monetária e da política de liberalização comercial e financeira, além das renegociações de dívida externa e do início das privatizações das empresas estatais. Verificou-se, naquele momento, recuperação do crescimento econômico, ampliação do consumo pós-estabilização e aumento da renda, sobretudo nos setores informais.
Em 1996, implementa-se o Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na LOAs, e criam-se também novos programas, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), e o Brasil Criança Cidadão (BCC), entre outros. Cumpre dizer que tal estrutura permaneceu, em linhas gerais, na segunda gestão FHC. Dessa maneira, observa-se um movimento de retomada do crescimento dos gastos, principalmente após 1996.
O principal responsável pelo crescimento dos gastos foi o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que consiste em uma transferência de renda no valor de um salário mínimo, garantida constitucionalmente a idosos e deficientes com renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo. Em 1998, os gastos com o BPC representaram cerca de 44% dos gastos efetuados em Assistência Social2.
A partir de 2001, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, começaram a ser implantadas, em um maior número, as políticas de renda mínima em escala nacional, com exceção do Benefício de Prestação Continuada – BPC e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, que foram lançados em 1996.
No ano de 2001 foi criado, pela Lei nº 10.219, de 11 de abril, o programa Bolsa-Escola, do Ministério da Educação, que buscava atender crianças entre 6 e 15 anos de idade, cujas famílias tinham uma renda per capita abaixo de R$ 90,00. Este programa, regulamentado pelo Decreto nº 3.823, de 18 de maio de 2001, repassava um auxílio financeiro de R$ 15,00 por criança, podendo chegar até um máximo de R$ 45,00 (três crianças). Entretanto, exigia como condicionalidade que a criança tivesse uma freqüência mensal mínima de 85% das aulas.
Ainda neste ano de 2001 foi criado o Programa Bolsa Alimentação, do Ministério da Saúde e o Programa Agente Jovem, do Ministério da Previdência e Assistência Social. O Programa Bolsa Alimentação buscava combater a mortalidade infantil em famílias com renda per capita mensal de ½ salário mínimo (R$ 130,00 em 2004). Este Programa transferia um auxílio financeiro de R$ 15 por criança entre 0 e 6 anos ou mulher grávida até um máximo de R$ 45,00 (três crianças) e, em contrapartida, a família se comprometeria a atualizar o cartão de vacinação para crianças entre 0 e 6 anos e a fazer visitas regulares ao posto de saúde para o pré-natal e enquanto estivesse amamentando, no caso das mães.
Já o Programa Agente Jovem buscava atender adolescentes com idade entre 15 e 17 anos e com renda per capita familiar inferior a meio salário mínimo. Para receber o auxílio financeiro no valor de R$ 65,00, os adolescentes devem estar matriculados na rede ensino e ter freqüência superior a 75%, além de participar de atividades comunitárias. Em 2002, este programa chegou a beneficiar, segundo Silva e Silva et al. (SILVA e SILVA, 2004, p. 62), cerca de 105.000 adolescentes.
No ano de 2002, foi lançado o Auxílio Gás, do Ministério das Minas e Energia, pela Lei nº 10.453/2002, que era uma medida compensatória para o fim do subsídio ao gás de cozinha. Este Programa destinava-se às famílias com renda per capita de no máximo R$ 90,00 (excluindo deste cálculo qualquer tipo de auxílio financeiro referente às políticas de renda mínima e também os benefícios como o seguro desemprego). O auxílio financeiro repassado às famílias, através deste Programa, era de R$ 7,50 por mês, que eram pagos bimestralmente, não sendo exigida nenhuma condicionalidade às famílias, com exceção do registro no Cadastro Único. Segundo Silva e Silva et al. (SILVA e SILVA, 2004, p. 65), até novembro de 2002, tinham sido beneficiadas, através deste Programa, 8.556.785 famílias, com recursos aplicados no valor de R$ 502.139.720,00 e com previsão orçamentária, para 2003, da ordem de R$ 750.000.000, 00.
Não obstante os esforços do governo Fernando Henrique Cardoso, a análise das estruturas normativas revelou lacunas e indefinições que acabaram por tornar os processos da execução desses programas controversos ou de difícil implementação.
Procedimentos estabelecidos nas normatizações se mostraram limitadores das potencialidades dos programas. Esse foi o caso da opção clara pela gestão centralizada do Programa Nacional de Bolsa Escola em sua legislação. A Portaria do Programa Bolsa Alimentação, apesar de incluir a participação dos estados, precisaria tê-los envolvido, por exemplo, intermediando municípios e esfera federal no encaminhamento e acesso à lista de beneficiários. Desse modo, seriam fortalecidos junto aos municípios.
Nenhum dos programas explicitou em suas legislações formas mais adequadas para o preenchimento do cadastro, fase fundamental para garantir a transparência e todo o processo restante. Na prática, houve uma diversidade grande de métodos de cadastramento, alguns permitindo maior número de fraudes e erros.
Apesar dos números expressivos alcançados pelos programas de transferência de renda com condicionalidades, por estarem fragmentados do ponto de vista da gestão, entre diferentes órgãos de governo, com estratégias de implantação peculiares, possivelmente teriam alcançado maior velocidade de implantação e melhores resultados, se reunidos em um único esforço e direção.
O discurso dos programas desse período tinha como aparência a universalidade, contudo a sua implantação revelou restrições, dificultando o acesso de certos grupos populacionais portadores desse direito. A exigência de documentação civil e comprovação de residência, inexistentes no caso das comunidades mais carentes e desassistidas (quilombolas, ribeirinhos, indígenas e população de rua, por exemplo), somada às dificuldades vinculadas à inexistência de agências ou correspondentes bancários nos municípios de menor IDH, resultou numa sinergia de fatores que impediram, na prática, o acesso universal aos benefícios.
5. CONCLUSÃO
Do cotejo breve da história econômica do Brasil constatou-se que o país tem sido um país atavicamente desigual e que só recentemente, a partir de 2001 a desigualdade de renda familiar per capita caiu de forma contínua e substancial, alcançando seu menor nível nos últimos 30 anos em função, sobretudo, dos programas de transferência de renda. Verificou-se também que, dada a desigualdade ainda reinante no país, o só crescimento econômico do Brasil, sem a concomitante redistribuição da renda nacional apropriada pelos segmentos mais pobres, não é capaz de promover a redução da pobreza e da extrema pobreza.
O sistema de proteção social brasileiro, o Estado do Bem-Estar, carrega consigo um histórico pautado pela tradição e pelo conservadorismo. A proteção social caracterizou-se ao longo de muitas décadas como residual, pontual e fragmentada. Faz parte de seu histórico, ainda, a existência da mediação entre a população beneficiária e o Estado por meio das organizações da sociedade civil. Ao resistir por reconhecer a proteção social como direito a ser garantido pelo Estado, o Poder Público construiu uma tradição de relação com as organizações da sociedade civil em que se colocavam em foco as iniciativas dessas organizações e não as necessidades da população a quem elas se dirigiam. Esse padrão de mediação reforçava a subalternidade da população usuária e confundia as esferas pública e privada, num jogo que obscurecia suas delimitações e suas relações, constituindo mais uma das facetas dos obstáculos para a efetivação da cidadania, nesses segmentos. Somente com a Constituição de 1988 é que a proteção social passou a ser concebida sob a perspectiva de direito da cidadania, direito a prestações positivas do Estado, em prol da redução das desigualdades sociais.
6. REFERÊNCIAS
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1 Em Política Social, escrito em 1965, Marshall (MARSHALL, Thomas, 1967, p. 12-97) procura dar conta da origem do Estado de Bem-Estar Social na Inglaterra, bem como de sua evolução no pós-guerra, notadamente na década de 50 e início da década de 60. Para o autor, o Estado de Bem-Estar Social naquele país tem início em meados da era Vitoriana, qual seja, no último quartel do século XIX. Era de prosperidade e confiança, teria marcado o início da adoção de medidas de política social: leis de assistência aos indigentes, leis de proteção aos trabalhadores da indústria, medidas contra a pobreza, etc. Em tais medidas, estaria o embrião daquilo que, mais tarde, após a Segunda Grande Guerra, seria conhecido como welfare state.
A razão para o surgimento destas medidas, as quais legariam à sociedade inglesa do século XX um aparelho estatal administrativamente preparado para garantir o bem-estar social a seus cidadãos, está no impulso dado às sociedades pela industrialização. Uma vez re-harmonizada e re-adaptada ao novo “modo de vida”, após a pacificação dos conflitos que haviam acompanhado a origem da produção em escala industrial, a sociedade inglesa abraçou essa tarefa de desenvolver suas potencialidades (e) colocou em movimento forças inerentes ao próprio sistema que levaram, por processos lógicos e naturais, à sua transformação em algo totalmente imprevisto e incomum. Este é um conceito central nesta explicação: a origem e desenvolvimento do Estado de Bem-Estar Social fazem parte de um processo que é definido fundamentalmente pela evolução lógica e natural da ordem social em si mesma.
2 O BPC, que vinha sendo pago desde 1996, já amparava, no final de 1998, 853 mil idosos e portadores de deficiência, com desembolso de R$ 1,1 bilhão. Somados ainda os 960 mil benefícios mantidos por conta da Lei n. 6.179/74, referentes à Renda Mensal Vitalícia (RMV), o governo federal garantia a mais de 1,7 milhão de brasileiros idosos e portadores de deficiência pobres uma renda mínima de um salário mínimo.