A Ordem Institucional-Legal

O que vai limitar a Ordem Econômica ou Tecnocientífica, ou seja, o desenvolvimento das ciências e das tecnologias, o progresso científico-tecnológico, os avanços da economia de mercado?

Será a Ordem Jurídico-Política ou Institucional-Legal, ou seja, a lei e o Estado, a organização e o arcabouço institucional-legal da sociedade democraticamente consensada, quer de um só país quer de todo o mundo.

É o legislador quem nos diz se devemos ou temos o direito ou não de fazer a clonagem reprodutiva, as manipulações genéticas, o uso das células-tronco, a interrupção da gravidez nos casos dos fetos anafiláticos, a eutanásia, o aborto, a pena de morte e assim por diante.

É o legislador que estabelece os regramentos e a fixação dos limites ao desenvolvimento das ciências e das técnicas, que contém a voracidade do mercado por meio da mediação dos interesses e das vontades do povo numa democracia representativa.

A Ordem Jurídico-Política é estruturada, internamente, pela oposição entre o legal e o ilegal, entre o que a sociedade admite como legítimo e o ilegítimo, entre o que até se possa fazer, mas não se deva fazer como decorrência da vontade predominante da população.

Jurídica e institucionalmente, há o que a lei autoriza (o legal) e o que a lei proíbe (o ilegal), democraticamente fixado pela vontade majoritária da sociedade.

Politicamente, há os que têm competência para fazer a lei, isto é, detêm a maioria da representação, e os que não têm competência para fazer a lei que desejam, ou seja, a minoria, a oposição. É assim a ordem democrática e republicana.

Nem toda lei é boa, de um ponto de vista moral, nem eficaz, de um ponto de vista econômico. Se assim fosse, seria muito simples legalmente proibir que as empresas demitissem os seus empregados e dobrar o valor do salário mínimo.

Seria muito fácil, como conta famosa piada da época da Revolução de 64 do general de plantão que mandou o ministro do planejamento revogar a lei da oferta e da procura para acabar rapidamente com a inflação. Bastaria a edição de uma lei aprovada democraticamente no Congresso. Claro, seria uma lei legitima, democrática, moralmente positiva, mas muito pouco provável de aplicação econômica prática.

Assim, portanto, como se limita a Ordem Econômica ou Tecnocientífica através da aplicação dos regramentos estabelecidos pela Ordem Jurídico-Política, também esta precisa ser limitada por outra ordem que lhe seja exterior.

E, essencialmente, por duas razões: uma razão individual, que vale para cada um de nós; e uma razão coletiva, que vale para o conjunto da população.

Imagine-se um indivíduo perfeitamente respeitador da legalidade do país em que viva, que sempre faz o que a lei determina, que nunca faria o que a lei proíbe – o cidadão “legalmente correto” ou “politicamente correto”,como usualmente se fala no linguajar do cotidiano.

Vejamos o que poderia acontecer com ele se nos restringíssemos apenas a essa percepção legalista:

Nenhuma lei veda o egoísmo;
Nenhuma lei veda o desprezo;
Nenhuma lei veda o ódio;
Nenhuma lei veda a inveja;
Nenhuma lei veda o ciúme, e por aí vai.

Mas também nenhuma lei veda a mentira, a não ser em situações bem definidas.
De modo que esse nosso cidadão “politicamente correto” pode ser mentiroso, invejoso, mau, egoísta, cheio de ódio e de desprezo, mas um perfeito cumpridor das leis e das posturas públicas. Seria, assim, um canalha “legalmente correto”. E, assim, por se julgar “politicamente correto”, fica tão em moda e valorizado no contexto atual de nossa sociedade.

Imagine-se, ainda, que ele possa ser científica e tecnicamente competente. Mas nem por isso deixará de ser um canalha, um canalha “competente legalmente correto”, e até percebido por muitos como “politicamente correto”. Ele, acima de tudo e de todos, sempre se auto-avaliará dessa forma.

Se quisermos, individualmente, escapar desse espectro do canalha “competente legalmente correto”, devemos encontrar outra ordem ou dimensão, além dessas duas outras – a Ordem Econômica ou Tecnocientifica e a Ordem Jurídico-Politica, para tudo o que seja científica e tecnicamente possível, e ainda que política e legalmente autorizado, nem por isso seja feito.

A segunda razão, a razão coletiva, para limitar a Ordem Jurídico-Política ou Institucional-Legal, fundamenta-se na necessidade de escapar dos riscos colocados pelo povo que, ao açambarcar todos os direitos, poderia inclusive fazer o pior.

A história da humanidade é permeada de exemplos: foi a Ordem Jurídico-Politica alemã que sustentou os crimes nazistas na perseguição aos judeus. Foi a Ordem Jurídico-Politica sul-africana que embasou o apartheid. Foram as Ordens Institucionais-Legais de muitas nações que por séculos e séculos legitimaram a exploração o homem através da escravatura e a coisificação da mulher e da criança.

Diz Martin Luther King em mobilização pelos direitos raciais nos USA:” a desobediência às leis injustas constitui uma responsabilidade moral”.

Como a Ordem Jurídico-Politica ou Institucional-Legal  também é incapaz, como as demais, de se limitar a si mesma, só pode ser limitada do exterior, por outra ordem ou por limites que lhe sejam interpostos externamente.

Não há limites democráticos à democracia. Há que se buscar no exterior dela os seus mecanismos de controle.

Assim, também, não há limites jurídicos ou políticos ao direito e à política.
Não há limites biológicos à biologia, ou científicos à ciência, assim como não há limites econômicos à economia.

Há que se buscar, de novo, e´ um limite externo, exterior à Ordem Juridico-Politico. É a Ordem Moral, que atua como limite externo à política e ao direito.

Charles Darwin tem toda a razão quando afirma que a “grande diferença entre o homem e o macaco é o senso moral”. Bem, pelo menos até aqui pelo que conhecemos da vida animal. Nada nos assegura que isto será assim amanhã.

Adm. Wagner Siqueira
Presidente
CRA/RJ Nº 01-02903-7

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