A nova fronteira da ética empresarial no Brasil

Historicamente, a percepção pública no Brasil associou a corrupção quase exclusivamente ao setor público. A imagem do gestor desonesto, desviando recursos e operando esquemas ilícitos, sempre esteve em evidência. No entanto, essa visão ignora uma face igualmente danosa: a corrupção privada e o papel ativo do corruptor. Para cada corrupto no setor público, há invariavelmente um corruptor oriundo do setor privado. Mais do que isso, a corrupção prolifera nas relações entre empresas, em fraudes de toda espécie, subornos, sonegações e acordos ilícitos que distorcem a concorrência, comprometem o ambiente de negócios e penalizam a sociedade. Essa prática prejudica empreendedores sérios, encarece produtos e serviços e mina a confiança nas instituições, afetando a competitividade e a sustentabilidade
econômica do país.

Apesar da gravidade do tema, o Brasil ainda carece de uma legislação eficaz para combater essa modalidade de corrupção. O Projeto de Lei nº 4.436/2020, que estabelece pena de dois a cinco anos de reclusão para atos de corrupção privada, permanece parado há mais de um ano no Senado, mesmo após aprovação na Comissão de Segurança Pública. Enquanto isso,  países como Reino Unido e Estados Unidos avançaram decisivamente nos últimos anos, consolidando legislações mais rigorosas contra essas práticas. A demora brasileira trava o avanço de um ambiente de negócios íntegro, ético e competitivo.

Frente a esse cenário, entre as poucas iniciativas institucionais articuladas no país, destaca-se o Pacto Brasil pela Integridade Empresarial, da Controladoria-Geral da União (CGU), que busca orientar o setor privado nesse enfrentamento. Suas vinte diretrizes oferecem um roteiro consistente para que as empresas adotem boas práticas de governança, compliance e cultura organizacional pautada pela ética. Códigos de conduta efetivos, critérios rigorosos na escolha de líderes, transparência contábil e proteção a denunciantes são, como destaca a própria CGU, recursos indispensáveis para a construção de ambientes corporativos íntegros. No entanto, é imprescindível que a sociedade organizada some forças para garantir que essas ações não se restrinjam a documentos ou discursos. Devem funcionar como sistemas ativos de prevenção e correção, capazes de identificar e punir desvios com agilidade e eficácia.

O histórico recente de empresas que colapsaram em função de escândalos internos evidencia a importância da prevenção. Muitas poderiam ter preservado seus patrimônios e credibilidade se tivessem agido prontamente e com transparência. Um paralelo pertinente é o dos recalls de veículos: antes vistos como constrangimento, hoje são considerados demonstrações de responsabilidade empresarial. O mesmo princípio deve orientar a governança corporativa. Atuar preventivamente e corrigir desvios fortalece a reputação e aumenta a confiança dos consumidores, investidores e parceiros.

Outro fator determinante nesse processo é o uso estratégico da tecnologia. O Brasil sempre enfrentou altos custos em seus mecanismos de fiscalização, tradicionalmente reativos e onerosos. Ferramentas como Big Data e Inteligência Artificial permitem hoje mapear condutas suspeitas, rastrear recursos e identificar padrões de irregularidade em tempo real. Investir nesses recursos significa ampliar significativamente a efetividade das ações preventivas e de controle, reduzindo custos e protegendo o ambiente de negócios. Fundamental também é assegurar que a punição recaia prioritariamente sobre as pessoas físicas responsáveis pelos delitos. Embora a responsabilização das empresas tenha papel importante para estimular programas de integridade, garantir reparação de danos e promover a cultura ética, a individualização das penas é indispensável para preservar o interesse coletivo. Assim, sempre que possível, a separação entre a penalização exemplar dos responsáveis diretos e a manutenção do capital produtivo será uma medida importante para garantir justiça sem comprometer o interesse público e o desenvolvimento econômico, protegendo empregos e a riqueza gerada para a sociedade.

É fundamental reiterar que a corrupção não é a regra no setor privado brasileiro. A vasta maioria dos nossos empresários e gestores atua com ética e responsabilidade. No entanto, a pequena parcela que se desvia prejudica imensamente o ambiente de negócios e abala a confiança na economia. A tipificação da corrupção privada, em conjunto com diretrizes claras e integridade e o uso de tecnologias avançadas, não visa apenas à punição, mas, acima de tudo, à prevenção. Essa é a base de um compromisso coletivo por um ambiente empresarial mais justo, transparente e sustentável.

Para que essa transformação se concretize, é mais que urgente que o Senado Federal dê a devida atenção ao Projeto de Lei de 2020 que criminaliza a corrupção privada, atualmente adormecido. Paralelamente, todas as empresas responsáveis, de quaisquer portes, devem se unir à iniciativa da CGU, aderindo ao Pacto Brasil pela Integridade Empresarial. Ao ostentar o selo conferido pela CGU, cada organização demonstra publicamente seu compromisso com a sociedade e com as boas práticas, fortalecendo a credibilidade do setor privado como um todo.

Adm. Wagner Siqueira
Presidente do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro / CRA-RJ

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