A guerra do pente

A guerra do pente

Há um ditado que diz: “A última gota é que transborda o copo”. Nas pequenas coisas, reside a origem dos grandes acontecimentos. Um pixel é o menor ponto de uma tela digital que forma uma imagem; a célula é a unidade básica, estrutural e funcional de um ser vivo; um incêndio começa com uma fagulha; uma agressão começa com uma discussão. E assim caminha a humanidade.

Um episódio pouco conhecido na história do Brasil, que nem mesmo consta nos livros didáticos, ficou conhecido como a “Guerra do Pente”. O conflito aconteceu na cidade de Curitiba, capital do estado do Paraná, e teve como pivô um pequeno objeto que desencadeou o caos durante dois dias.

Tudo começou em 8 de dezembro de 1959, quando o policial militar, subtenente Antônio Haroldo Tavares, entrou em uma loja e comprou um pente. Ao solicitar a nota fiscal, o comerciante sírio-libanês Ahmed Najar negou-se a emitir o documento, alegando o baixo valor da compra: 15 cruzeiros na época. O policial insistiu, afirmando ser seu direito como contribuinte. Estava em vigor uma campanha do Governo Estadual denominada “Seu talão vale um milhão”, e a nota fiscal era o comprovante necessário para a troca pelo cupom que daria direito a concorrer. Essa era a razão pela qual ele fazia questão do documento, muito embora a legislação vigente tornasse obrigatória a emissão da nota apenas para compras a partir de 50 cruzeiros.

Impaciente, o dono da loja, com a ajuda de funcionários, colocou o policial para fora, jogando-o na rua, o que lhe causou uma fratura na perna. A partir daí, o conflito se instalou, gerando agressões e a depredação de lojas de imigrantes sírio-libaneses, que constituíam uma grande comunidade no local.

Os primeiros pentes eram feitos de espinhos de plantas. A história registra que Cleópatra, no Egito, usava pentes feitos com a espinha dorsal de peixes. Pois este pequeno objeto foi o estopim para a deflagração de um conflito. Vários outros fatores funcionaram como combustível para alimentar a violenta manifestação popular, como os altos índices de inflação no país, a tensão política, a corrupção e a xenofobia. Os imigrantes sírio-libaneses alcançavam grande prosperidade, sofrendo algum tipo de discriminação, enquanto os locais amargavam dificuldades. Contudo, isso não justifica tamanha violência. Khalil Gibran (1883–1931), ensaísta libanês, disse certa vez: “Considero-me estrangeiro em qualquer país, alheio a qualquer raça. Pois a terra é minha pátria e a humanidade toda é meu povo”.

Um fato interessante, observado durante as manifestações, ocorreu com o carrinho de um ambulante que havia sido vandalizado. Quando a turba percebeu que se tratava de um brasileiro, ajudaram-no a se levantar e a organizar suas mercadorias. Outro fato digno de registro foi que, no segundo dia, quando o Exército interveio para conter a manifestação, um tanque de guerra enguiçou, e foram os próprios manifestantes que empurraram o veículo. A revista “O Cruzeiro” registrou na época a seguinte manchete: “Pente faz Curitiba perder a cabeça”.

Pequenos eventos, geralmente, são a causa de grandes catástrofes. Em 1972, na cidade de São Paulo, um curto-circuito incendiou o Edifício Andraus, provocando a morte de 16 pessoas e deixando mais de 300 feridos. Outro curto-circuito foi a causa do incêndio no Edifício Joelma, em 1974, matando mais de 180 pessoas e deixando centenas de feridos.

O pouco às vezes é muito, como ensina uma parábola bíblica: “Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel; sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei”.

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