A formação histórica da diversidade da força de trabalho imigrante e a sua contribuição contemporânea para as políticas da gestão de pessoas

Introdução

Ao longo do tempo, a economia brasileira, via mercado de trabalho, experienciou a inserção de povos das mais variadas origens, favorecendo a uma gama de contribuições culturais, idiomáticas e de conhecimentos, absorvidos por todos os campos da sociedade e, ao que interessa nesse artigo, às empresas.

É senso comum a afirmação de que o Brasil é um país receptivo e bom anfitrião, o que torna viável tomar o fluxo imigratório ao longo da história nacional como um argumento balizador da incorporação da força de trabalho estrangeira no Brasil, representando uma ação continuada pelas empresas nas suas políticas voltadas à diversidade e inclusividade nos seus quadros de pessoal.

O texto se propõe a apresentar as contribuições desses imigrantes, tais como os europeus, latinoamericanos, africanos e orientais que, historicamente, participaram da formação de uma heterogenia de trabalhadores rurais, artesãos, pequenos comerciantes e um tipo de empreendedorismo incipiente, constituindo o idiossincrático mercado de trabalho nacional e a contribuição que esses novos povos oferecem para as políticas da gestão de pessoas.

Finalmente, o texto busca lincar novas tendências de propostas globais de observação e compromisso sobre as desigualdades sociais e econômicas (nesse caso, os ODS e o trinômio ESG) ao protagonismo do setor produtivo, no sentido de mitigação das diferenças e acolhimento da força de trabalho imigrante em seus quadros de pessoal, evidenciando ganhos com o uso da diversidade.

A importância histórica dos movimentos migratórios

O fluxo de pessoas pelo mundo pode ser considerado um fenômeno iminentemente humano. Desde os mais longínquos tempos vimos esses movimentos, fossem através de diásporas, servidão de povos, pessoas refugiadas, deslocamentos por catástrofes naturais e climáticas, perseguições político-ideológicas, expropriações territoriais, dentre tantos outros motivos.

Desses movimentos massivos de povos ao longo da história, foi possível promover a dinâmica de culturas, expansão de idiomas e desenvolvimento de novas formas de produção e de interlocução entre organizações e trabalhadores, por exemplo. Na esteira dos grandes fluxos migratórios, se deram as expansões de impérios e a consolidação de estados nacionais soberanos como fortes potências mundiais. Seria possível imaginar a formação da soberania econômica dos Estados Unidos, não fosse a força de trabalho dos imigrantes, seja dos desbravadores ou dos empreendedores, que lá se instauraram ao longo dos séculos? Ou ainda, como seria a realidade financeira e cultural atual do estado de São Paulo sem a participação dos povos italianos, japoneses e árabes entre os séculos XIX e XX?

Enfim, essa dinâmica populacional que se desloca mundo afora sempre esteve presente na história da humanidade e favoreceu ao enriquecimento (no sentido amplo do termo) da região anfitriã, não obstante as condições hostis sob as quais são recepcionadas.

Destino Brasil e os movimentos imigratórios, da colônia ao século XX

Podemos marcar a chegada dos portugueses ao longo do período colonial (1500-1822) como os primeiros movimentos do chamado fluxo migratório no que atualmente chamamos Brasil.

Os portugueses chegaram como gestores das novas terras, assim como exploradores, desbravadores, comerciantes, colonos e religiosos (sobretudo os jesuítas). Os ciclos produtivos ao longo da história (pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro, café, algodão e borracha) ditavam o perfil e o papel social desse “imigrante” que chegava para o trabalho, em sua maioria os portugueses colonos e os africanos escravizados.

O que é efetivamente possível tratar como fluxo imigratório, de fato, começou no Brasil a partir do século XIX. Povos das várias nacionalidades, cada uma contribuindo de uma forma particular à economia e ao trabalho. No Brasil Império (1822-1889), houve um expressivo avanço da força de trabalho de imigrantes portugueses em busca de oportunidades em um território que ainda tinha fortes laços culturais e comerciais com a Coroa Portuguesa. Nesse período, grande parte dos imigrantes se estabeleceu nas cidades, destacando-se no comércio e na prestação de serviços. Aliás, é nesse período marcado pelo fim do tráfico de escravizados (Lei Eusébio de Queiroz de 1850) e a transição para o trabalho livre (Lei Áurea de 1888), que começa a ser forjado o mercado de trabalho nacional.

O século XX é marcado pela diversificação dos fluxos migratórios. Nesse período, a presença portuguesa consolidou-se, ajudando a impulsionar atividades comerciais, dominando setores como armazéns, mercados e padarias.

Durante as décadas de 1930 e 1940, um grande fluxo de trabalhadores portugueses foi motivado pela crise econômica em Portugal e pela instabilidade política, como a ditadura salazarista. Nesse período, os portugueses se tornaram protagonistas no comércio varejista e na construção civil, além de contribuírem para o crescimento de pequenas e médias empresas, muitas das quais cresceram e se tornaram importantes no cenário econômico brasileiro também nos ramos alimentícios, têxteis e do setor de bebidas.

Outro país muito importante no fluxo migratório para o Brasil foi a Itália que, após o seu período de unificação como Estado Nação (1861), enfrentava crises econômicas, pobreza rural, desemprego e superpopulação, especialmente no sul. O Brasil, por sua vez, buscava mão de obra para substituir o extinto trabalho escravo nas plantações de café após a abolição da escravatura. Governos estaduais, como o de São Paulo, incentivaram a imigração, oferecendo passagens gratuitas e promessas de terras ou trabalho remunerado.

Desde 1870, mais de 1,5 milhão de italianos vieram, atraídos pelo trabalho nas lavouras de café em São Paulo, além de outras atividades agrícolas e industriais. Os italianos foram fundamentais na industrialização paulista e no desenvolvimento das primeiras formas de associativismo operário, participando de movimentos trabalhistas organizados, contribuindo assim para a luta por melhores condições de trabalho e direitos sociais.

A imigração italiana no Brasil foi um dos movimentos migratórios mais significativos da história do país, especialmente entre o final do século XIX e o início do século XX.

Muitos italianos que deixaram as fazendas, migraram para as cidades e se tornaram operários em indústrias nascentes, como têxtil, alimentícia e metalúrgica. Destacaram-se também como empreendedores, abrindo pequenas padarias, restaurantes e mercearias, que cresceram e se tornaram parte essencial da economia urbana.

A imigração alemã começou em 1824. A partir daí, cerca de 200 mil alemães se estabeleceram especialmente no Sul do Brasil, onde contribuíram para o desenvolvimento agrícola e fundaram colônias que hoje são cidades prósperas, como Blumenau e Joinville. Essa comunidade também trouxe conhecimentos técnicos e fortaleceu setores como metalurgia e indústria​​​​.

Os alemães desempenharam um papel crucial no desenvolvimento da agricultura e na formação de comunidades no sul do Brasil. Eles trouxeram técnicas agrícolas, estabeleceram vilas organizadas e influenciaram a cultura local, criando uma identidade própria nas regiões onde se fixaram.

Milhares de espanhóis chegaram para trabalhar nas lavouras de café e se concentraram principalmente no estado de São Paulo. Ao longo das décadas, muitos migraram para setores industriais e urbanos, consolidando-se na força de trabalho urbana e rural​​​​.

A partir de 1908, aproximadamente 250 mil japoneses migraram para trabalhar nas plantações de café em São Paulo. No entanto, muitos progrediram para pequenos negócios e se destacaram na agricultura, com inovações que modernizaram técnicas de cultivo e influenciaram fortemente o agronegócio​​​​.

Sírios e libaneses contribuíram para o desenvolvimento do comércio e, posteriormente, de médias empresas urbanas. Embora fossem chamados de “turcos” (por terem em seus passaportes a chancela do Império Otomano), esses imigrantes do Oriente Médio destacam-se principalmente como pequenos comerciantes, empreendedores do setor têxtil e alimentício, especialmente em São Paulo, onde criaram a figura do mascate e mais tarde estabeleceram negócios familiares. Muitos desses imigrantes árabes entraram para a política, pesquisa e cultura, marcando o cenário econômico e social brasileiro​​.

Imigração contemporânea: incremento para a força de trabalho a partir dos 2000

Desde o início deste século, novos fluxos migratórios vêm ocorrendo, como os de haitianos, venezuelanos, cubanos, vietnamitas, sírios e africanos (como angolanos, senegaleses e congoleses), se inserindo em setores como construção civil, agricultura e serviços. Esse fluxo crescente, com origens e motivações variadas, impacta diretamente a economia e o mercado de trabalho do país ajudando a moldar a vasta sociedade brasileira, trazendo mão de obra e diversidade cultural que contribuem significativamente para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país.

O Brasil se caracteriza como um dos países mais receptivos aos fluxos migratórios na América Latina. O maior grupo de imigrantes nas últimas décadas é composto por venezuelanos, que fogem de uma forte crise política, econômica e humanitária em seu país. Atualmente, os venezuelanos são a maior população imigrante no Brasil. A Operação Acolhida, uma resposta humanitária do Governo Federal para o fluxo migratório intenso de venezuelanos, iniciada em 2018, destacou o papel do Brasil na recepção e integração desses imigrantes. Em 2023, um significativo contingente de quase de 33.000 venezuelanos (mais da metade do total de pedidos) solicitaram status de refugiado no Brasil, como é possível observar na tabela 1 a seguir.

Tabela 1 – Número de solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado

Após o terremoto de 2010, muitos haitianos buscaram melhores condições de vida no Brasil. Eles se estabeleceram em setores da construção civil, serviços e indústrias. Assim como bolivianos e paraguaios, que chegam em busca de trabalho, principalmente nas indústrias têxteis, além de oportunidades na agricultura.

Senegaleses, congoleses e angolanos chegaram ao Brasil em busca de oportunidades e estabilidade política nos últimos 20 anos. Nesse período também houve uma retomada de imigrantes portugueses que, com a crise econômica em Portugal após 2010, buscaram o Brasil como alternativa, incluindo aí profissionais altamente qualificados, contribuindo para setores como tecnologia, educação e serviços especializados.

Muitos sírios, fugindo da guerra civil que assola o país, foram reconhecidos como refugiados pelo Brasil, trabalhando em comércios locais e empreendendo. E, ainda devido a uma forte crise humanitária, entre 2021 e 2024, o Brasil recebeu 12.076 afegãos que buscaram refúgio e trabalho. Desses, 64% em idade entre 18 e 59 anos de idade, ou seja, altamente produtivos para o trabalho.

De modo geral, é perceptível que a imigração ainda é um fenômeno atual. Perdura um forte e crescente movimento de entrada no Brasil, o que pode ser mensurado a partir do número de solicitações de refúgios no país, conforme ilustrado no gráfico 1 a seguir.

Gráfico 1 – Número de solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado.

Parcerias diplomáticas e políticas migratórias como a Nova Lei de Migração (2017) facilitaram a regularização de imigrantes e a concessão de refúgio. Entre 2011 e 2022, cerca de 1,5 milhão de imigrantes foram registrados no Brasil, sendo que 228 mil estavam formalmente empregados em 2021, o que demonstra uma integração crescente no mercado de trabalho, mesmo diante de desafios estruturais como o preconceito e a burocracia​​​​​​.

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), no período 2010/2014 (momento favorável da economia nacional), por exemplo, houve um incremento de 126,01% na geração de empregos formais para imigrantes, o que sinaliza uma grande absorção pelas empresas que tiraram da informalidade um amplo contingente de trabalhadores, muitas vezes qualificados. Ainda conforme a RAIS, em 2023 foram criadas 47,2 mil vagas formais especificamente para trabalhadores imigrantes.

Diversidade rompe fronteiras a favor da Gestão de Pessoas

Como dito, a migração é um assunto atemporal, sempre esteve pautado nas relações internacionais e, mais que isso, pode ser considerado um item bastante pertinente aos Direitos Humanos, por se relacionar, entre outros, a misérias, catástrofes naturais, injustiça social e cassação de direitos. Nesse sentido, vários interlocutores ligados aos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), propostos pela ONU em 2015, têm discutido os desafios da mobilidade internacional de povos e inserido novos parâmetros de intervenção da sociedade civil, especificamente do setor produtivo, a favor da mitigação do sofrimento e da desigualdade social e econômica.

Se entendemos os ODS como elemento fundamental dos Direitos Humanos, percebemos que a conjugação entre Estado, setor privado e sociedade, é capaz de abrir um espaço de maior protagonismo para as empresas, que devem assumir intervenções proativas diante das desigualdades.

Assim, o compromisso ESG (meio ambiente, social e governança), pacto global decorrente dos ODS, reforça esse posicionamento empresarial nas políticas de admitir e habilitar trabalhadores imigrantes nos seus quadros de pessoal, capazes de contribuir com o desenvolvimento social e econômico organizacional.

A força de trabalho imigratória pode trazer uma série de benefícios mensuráveis ou não-mensuráveis para as políticas de gestão de pessoas no âmbito das empresas, bem como na percepção de toda sociedade antenada às questões relacionadas ao trinômio ESG, especialmente em um mundo cada vez mais globalizado e diversificado.

Nesse sentido, a diversidade cultural e a inovação podem ser relacionadas como grande fator favorável a esse incremento. De fato, a presença de imigrantes nas equipes oferece perspectivas variadas, o que pode estimular a inovação e a criatividade. Pesquisas indicam que equipes com diversidade cultural (assim como qualquer outra forma de inclusividade) tendem a resolver problemas de maneira mais eficaz, pois integram diferentes abordagens e ideias. Esse ambiente favorece a geração de novas soluções, que é um diferencial competitivo para as empresas.

Outro fator relevante nesse sentido, é a adaptação e a resiliência, uma vez que imigrantes costumam ter essas habilidades desenvolvidas, pois muitas vezes enfrentam desafios para se estabelecerem em um novo país, até mesmo para conseguir sair de seus países de origem. Essas características são valiosas para as empresas, especialmente em setores onde há constante mudança ou onde é necessário lidar com altos níveis de pressão. Essa experiência pode influenciar positivamente a cultura organizacional, disseminando e incentivando maior flexibilidade e resiliência entre todos os colaboradores.

A contratação de imigrantes incentiva as empresas a desenvolver políticas de inclusão mais robustas, criando um ambiente de trabalho mais acolhedor, integrativo e acessível para todos os funcionários. Isso inclui práticas como o respeito às diferenças culturais, programas de integração e treinamentos sobre a diversidade. Ao estruturar essas políticas, as empresas podem melhorar a retenção de talentos e fortalecer a cultura interna.

Em empresas com planos de internacionalização, trabalhadores imigrantes podem ser um recurso estratégico por trazerem conhecimento linguístico e cultural de diferentes países. Eles podem contribuir na comunicação com clientes estrangeiros, além de apoiar a adaptação de produtos e serviços a outros mercados. Em setores de atendimento ao cliente, isso contribui para melhorar a experiência e satisfazer um público diverso.

Alguns setores, como tecnologia e saúde, por exemplo, enfrentam desafios para atrair profissionais qualificados. Aqui vale enfatizar que muitos dos trabalhadores expatriados possuem uma condição bastante sólida de formação acadêmica e cultural, geralmente se destacando em seus países. Assim, recepção de estrangeiros favorece à mitigação da escassez de força de trabalho qualificada, de forma que a contratação de imigrantes ajuda a suprir essa demanda, mantendo a empresa competitiva no mercado e evitando gargalos na operação. Políticas de gestão que integrem esses profissionais tornam as empresas mais resilientes e ágeis ao se adaptar às demandas do mercado.

A interação com trabalhadores de origens diferentes estimula o aprendizado contínuo entre os colaboradores, promoção um ambiente de aprendizagem contínua. A troca cultural diariamente pode enriquecer a equipe e promover o desenvolvimento de competências interculturais, que são cada vez mais valorizadas em um mercado de trabalho global e diverso.

Considerações Finais

Como dito, a força de trabalho imigrante é constitutiva do mercado de trabalho brasileiro, historicamente caracterizado pela persistente distinção social. Essa variedade de povos, marca intrínseca do Brasil, evidencia a potência que a diversidade possui, contribuindo para a formação da nossa identidade como sociedade.

A imigração não é um fenômeno estanque ao longo da história. Ela faz parte da dinâmica das interações humanas. Povos que se deslocam, abdicando (in)voluntariamente de suas origens, idiomas, laços sociais e costumes, buscam aguerridamente acolhimento, dignidade e novas trajetórias e recolocações profissionais.

Muitos são trabalhadores efetivamente empreendedores, portadores de competências (hard e soft skills) de excelência, estabelecendo-se como potencial capital intelectual aplicável nas operações das mais diversas empresas, em diversos segmentos, com sua cultura diversa, contribuindo assim, de forma incontroversa, para melhores políticas da gestão de pessoas.

Referências

BARBOSA, A. A Formação do Mercado de Trabalho no Brasil. São Paulo. Alameda, 2008.

CARDOSO, A. A Construção da Sociedade do Trabalho no Brasil: uma investigação sobre a persistência secular das desigualdades. Rio de Janeiro. FGV, 2010.

DIÁRIO DO COMÉRCIO. Conheça as vantagens para as empresas em contratar refugiados. Disponível em https://diariodocomercio.com.br/gestao/vantagem-empresas-contratar-refugiados/. Acesso em 30/10/2024.

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LAMOUNIER, M. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

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RAIS. Relação Anual de Informações Sociais. Disponível em http://www.rais.gov.br/sitio/index.jsf. Acesso em 01/10/2024.

*Adm. André Carvalho é Membro da Comissão Especial do Trabalho e Empregabilidade do CRA-RJ –Prof. do Depto. Ciências Administrativas/UFRRJ.

 

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