Planos de saúde coletivos seguem sem limite e sem defesa
O mercado abusa, a ANS se omite e o cidadão paga a conta de um sistema que perpetua desigualdades
Não há o que comemorar no reajuste de 6,06% autorizado nesta semana pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para os planos individuais. Longe de representar alívio ou benefício, esse percentual impõe um ônus adicional às famílias e, pior, desvia o foco da verdadeira tragédia: a situação dos milhões de brasileiros que dependem dos planos coletivos, vítimas da mais explícita irresponsabilidade regulatória.
Em recente entrevista à rádio CBN, a ANS tentou justificar a disparidade entre os reajustes dos planos individuais e coletivos. A alegação de que os planos individuais seguem uma metodologia que “considera todos os beneficiários como se fossem um único contrato”, enquanto os coletivos “têm os universos específicos de cada contrato”, não passa de uma cortina de fumaça. Essa retórica técnica, embora revestida de aparência institucional, mascara a realidade cruel vivida por quem é forçado a arcar com reajustes que, em muitos casos, ultrapassam os 40%, comprometendo orçamentos familiares e afastando cidadãos da assistência médica privada.
É inaceitável que a agência, cuja função precípua deveria ser a defesa do consumidor, continue permitindo que essa desigualdade persista e se agrave ano após ano. A ausência de critérios claros e transparentes para os reajustes dos planos coletivos é um abismo que engole o poder de compra e a segurança daqueles que depositam no plano de saúde a esperança de proteção digna. Por que não há, ao menos, um teto ou uma fiscalização efetiva e pública sobre os critérios adotados pelas operadoras? A resposta, lamentavelmente, parece residir na conveniência de um sistema que privilegia poucos em detrimento da maioria.
A situação se agrava com a proliferação das chamadas “associações de fachada”. Milhares de cidadãos, impedidos de contratar planos individuais — cada vez mais escassos —, acabam compelidos a se filiar a essas entidades para terem acesso a planos coletivos. Trata-se de uma coerção disfarçada, um artifício mercadológico que aprisiona o consumidor em contratos precários, desprotegidos e sujeitos a aumentos abusivos. O mais grave é que muitas dessas associações são as mesmas que, recentemente, estiveram envolvidas em fraudes contra aposentados e pensionistas, realizando descontos não autorizados em benefícios previdenciários, prática que levou à abertura de investigações e sanções. A ANS, ciente dessas práticas reiteradas, permanece omissa, permitindo que essa anomalia de mercado siga lesando a população sem qualquer reação institucional efetiva.
A omissão do poder legislativo apenas reforça a sensação de abandono do cidadão diante de um sistema que oprime e não oferece alternativas sustentáveis. Saúde não é mercadoria, tampouco pode ser submetida à lógica perversa de abusos e da negligência regulatória. Enquanto esse cenário persistir, a ANS continuará relegando à própria sorte a maior parte dos cidadãos brasileiros, que merecem — e devem exigir — respeito, transparência e proteção contra as distorções do mercado de saúde suplementar.