A regulamentação da profissão, o vasto campo da Administração e o hiato a ser preenchido
As Revoluções Industriais (a partir do século XVIII) representaram importantes marcos tecnológicos que modificaram drasticamente a maneira como os trabalhadores passaram a lidar com a execução de suas tarefas. Do chão de fábrica aos escalões mais elevados, com o passar do tempo, todos perceberam que o mundo do trabalho estava inexoravelmente se transformando. Desde então, estudiosos formularam centenas de teorias, pesquisas, técnicas e propostas de intervenção em todos os tipos de empresas, nos diferentes níveis organizacionais, em busca de soluções ou de modelos otimizados para as ações estratégicas e gerenciais.
Não há dúvidas de que todo esse esforço, de melhor compreensão do modus operandi das empresas, desde o cuidadoso olhar sobre o ser humano até o emprego das modernas tecnologias, sempre visando a obtenção de melhores resultados, contou com a inexcedível contribuição de dezenas de intelectuais, empresários e executivos, oriundos de uma miríade de ciências: antropologia, direito, engenharia, matemática, psicologia, sociologia, dentre outras.
Esse conjunto multidisciplinar contornou a Administração, que até hoje é influenciada e influencia diversas áreas congêneres. A Administração está presente nas mais diversas ações que desempenhamos, inclusive domésticas, mas encontra o seu apogeu, como ciência aplicada, nas organizações em geral.
Não há empresa, por menor que seja, que não se valha de conceitos da Administração em seus processos administrativos. Não há organização, nos lugares mais remotos, que não aplique técnicas de Administração para cumprir os seus objetivos. Não há cidadão, minimamente consciente, que não reclame por melhor gestão dos recursos públicos. A Administração, por evidência, é uma ciência universal, imprescindível a qualquer atividade produtiva.
Administradores, por origem e natureza, são multidisciplinares, necessitam indelevelmente de relações e cooperações com outros profissionais, para o cumprimento de suas incumbências, salvo raríssimas exceções. Por isso, está presente em tantas empresas e transita com enorme facilidade por diversas áreas.
Quando da regulamentação da profissão de Administrador, lá em 9 de setembro de 1965, imaginava-se que todos os cargos e funções próprios da Administração poderiam chegar a ser ocupados por Administradores profissionais. Aliás, nesse instante, quando a profissão foi inaugurada no Brasil, milhares de advogados, engenheiros, psicólogos, militares e sociólogos obtiveram o título de Administrador, por provisionamento, bastando que para isso comprovassem o exercício da Administração por pelo menos cinco anos. Inúmeros Administradores e conselheiros do Sistema CFA/CRAs não são graduados em Administração; porém prestaram e prestam um enorme serviço à classe.
Nesse hiato de 52 anos, a Administração, ganhou enorme relevo e amplitude, em todo mundo. Deixou de se concentrar nas áreas meio, se expandiu em todos os níveis e setores econômicos. Novas áreas de atuação dos profissionais de Administração foram criadas, em atendimento às novas demandas de mercado. E outras áreas surgem a todo instante, como por exemplo a gestão de riscos, gerência de facilities, gestão de mídias sociais etc. A quem cabe assumir a responsabilidade por essas áreas se não há mão de obra qualificada e específica para esses desafios?
Quem não pôde acompanhar a dinâmica das mudanças ficou defasado, obsoleto, fora do mercado. A pós-modernidade, a virada de século e as evoluções disruptivas afetam e continuarão influenciando demasiadamente as relações entre os trabalhadores e as diferentes formas de trabalho que o mercado oferece.
Os Administradores profissionais não estão alheios a tudo isso, pois são parte integrante dessa organicidade e desejam continuar contribuindo decisivamente para que a sociedade seja saciada em suas necessidades. Mas é sempre bom lembrar que a intensificação da globalização e a interdependência dos países, apresentam circunstâncias que fogem ao controle das legislações e dos controles burocráticos. Na prática, não há impedimento para que executivos internacionais, inclusive aqueles de áreas típicas de gestão, atuem em quaisquer países onde suas corporações os aloquem.
Uma outra reflexão ainda se faz imprescindível diante de todo esse cenário aqui descortinado sinteticamente: como o mercado brasileiro poderá ser suprido de Administradores profissionais competentes se sequer quantitativamente consegue-se atender 10% de todas as demandas por cargos administrativos considerados privativos da profissão?
O Brasil tem aproximadamente 5.800.000 (cinco milhões e oitocentas mil) empresas ativas, legalmente constituídas, de acordo com o IBGE, excluídas as MEI; mais de 48.000.000 (quarenta e oito milhões) de cargos gerenciais e administrativos de nível superior (dados da Rais em 2015); menos de 2.500.000 (dois milhões e meio) de Bacharéis em Administração formados desde 1954, sem subtrair os já falecidos e aposentados; e 330.000 (trezentos e trinta mil) Administradores legalmente habilitados para o exercício profissional.
Estamos, portanto, a anos-luz de ver o mercado totalmente ocupado por Administradores. Na velocidade atual, se mais nenhuma empresa e cargo fosse criado, apenas daqui a alguns séculos haveria Administradores em quantidade suficiente para o mercado. Claro que essa é uma hipótese das mais esdrúxulas e ridículas. Apenas serve para demonstrar o incrível abismo que existe entre as reais demandas do mercado e o contingente de Administradores disponível para esse atendimento.
A quantidade de mestres e doutores com estudos concentrados em áreas da Administração também é risível, não alcançando 0,5% do universo de bacharéis em Administração graduados na história. A área de Administração ocupa a 77ª posição entre 80 áreas que oferecem esses programas de mestrado e doutorado. Uma triste constatação de que ainda é inexpressivo o interesse por pesquisas no campo da Administração.
O Conselho Federal de Administração, ao incorporar à população de registrados os Tecnólogos (a partir da década de 70), os egressos de cursos sequenciais (década de 80), os gestores tecnológicos (década de 90) e, agora em 2017, os mestres e doutores em Administração, está não só ampliando o escopo doutrinário e o contingente de profissionais que estudaram e que lidam com a Ciência de Administração, mas está sobretudo valorizando a aplicação da Administração por profissionais que conhecem e sabem, dentro de seus distintos campos do conhecimento, como atender à sociedade em suas diferentes necessidades. Afinal, dedicaram de dois a quatro anos de suas vidas estudando, formal e profundamente, os temas que compõem o vasto campo da Administração.
Vale dizer que essa adição de tecnólogos, gestores tecnológicos, mestres e doutores não representa hoje sequer 8% do total de profissionais registrados nos CRAs. Ademais, por lei, todos têm as suas atuações limitadas à área de saber em que dedicaram seus estudos, diferentemente do Administrador que permanece com o espectro absolutamente ampliado para o exercício de suas atividades, sem qualquer limitação de área, nível hierárquico, tipo de empresa ou setor econômico.
Pesquisas promovidas pelo CFA, desde 1989, e mesmo em momentos de crise como a atual, indicam que os Administradores qualificados têm elevado grau de emprego e de empregabilidade, resultado do vasto campo de trabalho que lhes é oferecido pelas empresas que reconhecem os seus valores e competências.
Administração continua e continuará sendo para Administradores, sobretudo para aqueles que tiverem liberdade intelectual, ousadia e disposição para acompanhar e fazer parte das mudanças neste primeiro quarto do século XXI.
Adm. Wagner Siqueira
Presidente do Conselho Federal de Administração (CFA)
CRA-RJ Nº 2903