ONDE ESTÃO AS CARROÇAS?

Napoleão era um grande estrategista– um dos maiores da História –   e, também,  um gênio  no que hoje chamamos de  Logística – não fosse ele engenheiro militar formado  nas Academias militares de Brienne e de Paris, das mais  prestigiosas na Europa, centros da  engenharia civil e militar à época.

Pois  foi justamente com tais  credenciais que ele montou seu Plano de invasão da Rússia , em 1812, parte de ambicioso  projeto político de conquista da Europa, envolvendo cerca de 500.000 homens – a chamada “Grande Armada” – , uma montanha de apetrechos de guerra, canhões, mantimentos, barracas, armas, munições etc.

 No entanto, cerca de seis meses depois,  voltava ele  derrotado e com  somente  50.000  do seu efetivo – 10% do total inicial! O resto estava estropiado, morreu, foi capturado  ou simplesmente desertou.  O que acontecera?

Ora, parece que o  seu  “anteprojeto” para a  tal invasão estava meio que capenga (faltou Consultor? ), se não vejamos, fazendo uma rápida e singela conta:

1. Seus  500.000  soldados exigiriam -–sabia-se – cerca de um cavalo para cada dois homens –cavalarias mais carroças  e transporte auxiliar –,  ou seja 250.000 cavalos;

2. Cada cavalo consumia cerca de 10 k. de forragem/dia , ou seja, um total de 2.500.000 k. ou   2.500 tons/dia;

3. A forragem necessária, digamos, para 20 dias de campanha (isso que, até se chegar a Moscou deveria levar aí uns dois meses ) exigiria transportar-se  efetivamente 50.000  tons só de forragem,  mais outro tanto, talvez o dobro disso, para a tração da artilharia, mantimentos, armas, munições e “cositas” mais;

4. As carroças da época – e isso com quatro cavalos cada–, carregavam em média, uma tonelada  cada uma, o que   perfaz, singelamente, um total necessário de, pelo menos, aí umas  50.000 carroças ( parece muito, mas é isso mesmo!), quando ele nem a metade disso tinha à sua disposição.

5. Ou seja, parece que o nosso gênio, levado pelo desvario e ambição  da conquista,  errou e feio  nessa aritmética elementar;

6. Pior, o General Intendente ( levou alguma vantagem nisso?)  encomendou ferraduras mais baratas e  mais em conta, só que  inapropriadas para a neve( ao invés de lisas,  teriam que ter  pregos,  que era   para evitar escorregões da cavalhada);

7. Resultado? Bem,  o que se sabe, entre outras coisas, é que a logística  napoleônica não funcionou – e era supervisionada diretamente por ele – vez que  faltaram carroças, mantimentos e o resto. Os cavalos não conseguiram avançar e quando morriam, por  inanição ou acidente, eram pressurosamente churrasqueados pela soldadesca faminta.

Com certeza esses nossos números aproximados – nem somos especialistas no assunto –, mas  inconsequências matemáticas são até gritantes e ao alcance de qualquer  aluno do curso primário,  razoavelmente conhecedor das quatro operações .

Contudo, uns setenta  anos depois, dois ilustres engenheiros  franceses foram  à forra e compensaram  generosamente tal fracasso.  Com efeito, Koechlin e Nouguier, em 1887 –   embora Eiffel  levasse todas as glórias –-,  desenvolveram um dos mais famosos  projetos da engenharia  europeia:  o da Torre que lá está hoje,  em Paris, símbolo e confirmação do gênio e capacidade dos seus projetistas.  Até porque , imaginem só,  orçada para  custar sete milhões de francos,  e com um cronograma de obras de  dois anos e meio,   acabou ela por custar exatamente isso e terminou até um pouco mais cedo que o previsto.

Isso nos deixa pensando e até preocupados . Basta  lembrar de Brasília ,  estimada em  10 bilhões e que custou pelo menos o dobro, em dólares.  Ou, voltando ainda no tempo, do nosso Maracanã que consumiu o dobro dos caminhões de cimento inicialmente programados. Ou mais recentemente, na  Cidade das Artes que  custou o triplo do orçado e levou dez anos a mais do cronograma inicial, se é que já terminou .  Ou no Estádio Mané Garrincha, lá em  Brasília,  que atrasadíssimo quase perde o  inicio da Copa das Confederações e foi ainda inaugurado faltando muita coisa . E isso, aliás, não custa lembrar,  numa cidade que nem tem time de futebol da primeira divisão.

Claro, nossa engenharia é de primeiro mundo, quando se quer e se deixa ela trabalhar – tá aí Itaipú, por exemplo–, mas será que não estará faltando o mais importante em toda e qualquer Consultoria,  ou seja,  critérios  técnicos independentes, não alinhados com interesses políticos ou patrimoniais duvidosos, voltados para a otimização dos recursos materiais e de tempo disponíveis, objetivando  eficiência e interesse publico? Mais complementaridade entre consultores projetistas e engenheiros eficazes, administradores e consultores– sócios e cúmplices da eficácia gerencial– como os da Torre e menos como os Napoleões, cegados  pela própria  ambição, pela política e pelo  desperdício na utilização dos recursos do povão?

Paulo Jacobsen e Luiz Affonso Romano- Consultores Organizacionais

  • Da palestra com alunos e profissionais do CRA- RJ, em 10 de julho 2013

Sugestões de leitura: