O impacto da IA no Campo da Administração

O relatório “Inteligência Artificial generativa e empregos: um índice global refinado da exposição ocupacional”, resultado de um estudo conduzido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa da Polônia (NASK), reacendeu debates — e certo receio — sobre os impactos da inteligência artificial generativa no mercado de trabalho mundial. De acordo com os dados apresentados, cerca de 25% dos empregos em todo o mundo podem ser afetados pelo avanço dessa tecnologia, percentual que se eleva para 34% nas economias de alta renda.

Para uma análise preliminar sobre esse impacto da IA e as preocupações que ela gera, é fundamental buscarmos uma perspectiva histórica. As Revoluções Industriais – da máquina a vapor à eletricidade e à linha de montagem – provocaram temores sobre o fim do trabalho. Cada uma delas, porém, não apenas erradicou certas ocupações, mas também gerou uma explosão de novas indústrias, serviços e, consequentemente, uma enorme gama de novos empregos e oportunidades. O sapateiro, por exemplo, pode ter sido substituído pela fábrica de calçados, mas surgiram eletricistas, operadores de máquinas e gerentes de produção em grande escala.

Em um outro contexto, um pouco mais recente, lembro-me da preocupação gerada, pelo lançamento do livro “O Fim dos Empregos” de Jeremy Rifkin, em meados da década de 1990. Naquela época, Rifkin previu que a automação e a tecnologia da informação levariam a uma drástica redução de postos de trabalho. De fato, muitas profissões foram profundamente transformadas ou até extintas no final do século XX e início do XXI, como vimos acontecer com a digitalização de processos que antes exigiam grandes equipes. No entanto, a realidade demonstrou ser mais complexa e não compreendida em sua totalidade por Rifkin, uma vez que a própria indústria da informática e as novas tecnologias, criaram um número vastamente maior de empregos do que aqueles que foram eliminados. Surgiram novas funções como desenvolvedores de software, especialistas em redes, analistas de dados, gestores de sistemas e uma infinidade de outras profissões que simplesmente não existiam antes. Ou seja, houve um saldo notavelmente positivo, com a criação líquida de milhões de empregos por todo o mundo, justamente em decorrência – mais uma vez – das revoluções tecnológicas.

Agora, esse estudo da OIT sobre o impacto da inteligência artificial se insere precisamente nessa trajetória histórica. Ele não anuncia o fim do trabalho, mas sim sua transformação.  Assim como ocorreu nas revoluções passadas, a inteligência artificial irá, de fato, automatizar tarefas e até mesmo determinadas funções. No entanto, paralelamente, criará demandas, novas indústrias e oportunidades profissionais que, talvez, ainda nem consigamos conceber plenamente.

O desafio, como sempre, reside na capacidade de adaptação, na requalificação contínua e na construção de uma visão estratégica capaz de orientar essa transição. É fundamental garantir que o progresso tecnológico beneficie o maior número possível de pessoas e contribua para o equilíbrio e a sustentabilidade do ecossistema produtivo e social.

Vale recordar que, em 2019, Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial (WEF), já chamava atenção para a chegada da Quarta Revolução Industrial, caracterizada pela convergência de tecnologias que transformariam profundamente a maneira como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Diante da automação de tarefas rotineiras e do surgimento de novas demandas, Schwab destacou que, embora a tecnologia possa, sim, deslocar determinados empregos, ela também criará inúmeras oportunidades.
Sua mensagem central alertava para a urgência de promover uma “Revolução da Requalificação” (Reskilling Revolution) em escala global, com a meta de preparar 1 bilhão de pessoas para as profissões do futuro. Essa transformação, ainda segundo Schwab, demandaria uma ação coordenada entre governos, empresas e sociedade civil, assegurando que a força de trabalho estivesse capacitada para colaborar com as máquinas e aproveitar os benefícios dessa nova era tecnológica.

Nessa linha de reflexão, considero importante desmistificar a ideia de que a inteligência artificial substituirá indiscriminadamente todos os postos de trabalho. O que se projeta é uma transformação das profissões, que exigirá adaptação, reinvenção e requalificação, e não uma eliminação massiva. Essa mudança se manifesta de formas distintas, conforme o nível de complexidade, responsabilidade e natureza das atividades desempenhadas, impactando ocupações de maneira diversa e reconfigurando o mercado de trabalho de forma gradual e seletiva. Assim, podemos categorizar o impacto da Inteligência Artificial nas funções administrativas em três níveis principais, de acordo com o grau de exposição e transformação que cada função sofre diante do avanço tecnológico.

No nível básico ou operacional, há alta exposição à automação. Neste contexto, as funções administrativas de baixa e média complexidade, caracterizadas por tarefas repetitivas, padronizáveis e baseadas em regras, são as mais suscetíveis à substituição por sistemas automatizados. Atividades como digitação, processamento de dados, atendimento padronizado de call centers, secretariado executivo de rotina, escrituração contábil simples e folha de pagamento automatizada ilustram bem esse cenário. Para esses profissionais, a IA pode assumir uma parcela significativa das tarefas cotidianas, exigindo deles uma reinvenção profissional, direcionada ao desenvolvimento de habilidades interpessoais, competências para resolução de problemas complexos e capacidades que as máquinas, por sua natureza, ainda não conseguem replicar.

Em um nível intermediário, a exposição não se dá pela substituição direta, mas pela transformação e complementaridade. Aqueles que atuam em atividades com componentes repetitivos, mas que também exigem análise e julgamento, encontrarão na IA um poderoso aliado. Tecnologias avançadas poderão automatizar a coleta e o processamento de grandes volumes de dados, gerar relatórios preliminares e identificar padrões, permitindo que o profissional concentre seu tempo e energia na interpretação dos resultados, na contextualização das informações e na tomada de decisões. Analistas financeiros, especialistas em marketing e assistentes de recursos humanos, por exemplo, utilizarão a IA como ferramenta de apoio, otimizando suas rotinas e ampliando sua capacidade de atuação estratégica, em um ambiente de sinergia entre homem e máquina.

Por fim, no nível superior ou gerencial, há baixa exposição à substituição, mas alta complementaridade. Este é o principal campo da atuação do Administrador e dos Tecnólogos de Gestão. Para os cargos de liderança, supervisão, chefia e direção, o risco de substituição pela IA é mínimo, uma vez que as competências intelectuais e comportamentais inerentes a essas funções permanecem, até o presente, insubstituíveis pelas máquinas. Administradores e gestores de nível superior enfrentam desafios que vão além da simples execução de  tarefas. Suas atividades exigem capacidade de analisar e interpretar cenários complexos, considerando fatores econômicos, sociais, culturais e institucionais; gerir o clima organizacional
e motivar equipes; tomar decisões estratégicas ponderando riscos, ética e valores; liderar pessoas, promover o desenvolvimento humano e construir relações de confiança com diferentes públicos; integrar áreas distintas com visão sistêmica; estimular a inovação e criar soluções disruptivas; e lidar com situações adversas, demonstrando resiliência e capacidade de converter crises em oportunidades.

Nesse cenário, as posições de nível superior no campo da Administração e nas funções de Gestão Tecnológica não se encontram ameaçadas de substituição pelas novas tecnologias. Isso se deve à natureza específica de suas atribuições e à complexidade intelectual, estratégica e relacional que essas atividades demandam. Cabe aos Administradores enxergarem a Inteligência Artificial como um parceiro estratégico — uma ferramenta capaz de aprimorar análises, otimizar processos e expandir as possibilidades de atuação profissional. Repito, longe de representar uma ameaça, a IA deve ser compreendida como um recurso valioso, que potencializa a performance e libera os profissionais para se dedicarem às atribuições mais nobres e determinantes para o êxito das organizações.

Portanto, para que a “parceria” com a Inteligência Artificial seja efetiva e para que Administradores e Gestores se mantenham na vanguarda, é indispensável um compromisso contínuo com o estudo, a atualização e o aprimoramento profissional.

E essa postura é exatamente o que se espera de um Administrador, conforme estudos sobre liderança de Robert Blake e Jane Mouton na década de 1960: a capacidade de liderar com visão, integrando pessoas e resultados de forma equilibrada e eficaz, e guiando as organizações, em meio às mudanças, com inteligência humana e sensibilidade.

*Adm. Wagner Siqueira é presidente do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro.

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