Crítica sob a Visão do Administrador: “Planos de Saúde: Entre a Gestão e a Negação de Direitos”

Sob a ótica da administração, o cenário descrito no texto revela um grave desequilíbrio entre a missão social das operadoras de saúde suplementar e sua prática empresarial, o que compromete a sustentabilidade ética e operacional do setor. A lógica do lucro imediato, que norteia boa parte das decisões administrativas das operadoras, entra em choque com os princípios fundamentais da gestão em saúde: eficiência, eficácia, transparência e foco no usuário (ANS, 2023).

O administrador, enquanto agente responsável pela mediação entre recursos, processos e pessoas, vê com preocupação um modelo de negócio que, ao invés de entregar valor ao cliente – no caso, o paciente – se empenha em minimizar custos às custas da negação de serviços contratados. O uso sistemático de glosas, negativas e cláusulas ambíguas evidencia uma estratégia deliberada de contenção de despesas, em detrimento da qualidade do atendimento e do respeito ao consumidor (Código de Defesa do Consumidor, 1990).

Além disso, a fragilidade regulatória da ANS, apontada no texto, representa uma falha grave no papel do Estado como fiscalizador e garante do equilíbrio do mercado. A morosidade  as punições e a permissividade quanto a práticas abusivas demonstram uma lacuna na governança pública, que deveria zelar pelo interesse coletivo. É papel do administrador público atuar com proatividade, baseando-se em dados, auditorias e indicadores de desempenho para impedir que tais distorções se institucionalizem (IEPS, 2022).

A proposta de planos ambulatoriais sem cobertura de emergência, hospitalização ou terapias, defendida pela ANS, revela uma gestão de saúde limitada e, ao mesmo tempo, arriscada. A ideia de criar planos de saúde simplificados, com custos reduzidos, pode inicialmente parecer uma solução para tornar o atendimento mais acessível a uma parcela da população que  não consegue arcar com planos tradicionais. No entanto, ao excluir a cobertura de exames, internações e serviços emergenciais, essa estratégia empurra o ônus dos atendimentos mais complexos para o SUS, já sobrecarregado de demandas (Ministério da Saúde, 2023).

Do ponto de vista administrativo, isso configura uma falta de integração entre os sistemas público e privado, criando um ciclo vicioso de consequências negativas. Os planos de saúde se limitam a fornecer apenas serviços básicos, enquanto os casos mais graves, que exigem maior investimento, são encaminhados para o SUS. Essa distorção não só aumenta a pressão sobre o sistema público, mas também prejudica a coordenação e continuidade do cuidado, já que os pacientes precisarão transitar entre dois sistemas de saúde distintos, com  diferentes níveis de cobertura e responsabilidades (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, 2022).

O impacto disso no SUS é claro: uma maior demanda por serviços de média e alta complexidade, como exames especializados, cirurgias e tratamentos prolongados, que acabam sendo absorvidos pelo sistema público. Para o administrador de saúde, essa sobrecarga gera um efeito dominó de consequências negativas, como atrasos no atendimento, escassez de recursos e redução da qualidade do cuidado, comprometendo ainda mais a eficiência do SUS, que deveria ser a rede de proteção para aqueles sem acesso ao setor privado.

Além disso, a gestão do SUS já enfrenta desafios históricos e estruturais, e qualquer aumento de demanda sem o correspondente suporte financeiro ou estrutural exacerba os  problemas existentes. Ao transferir a responsabilidade de atender essas demandas ao SUS, a ANS ignora o impacto de uma política pública que não considera o custo real dessa “economia” para o paciente, mas que, na prática, resulta em uma sobrecarga do sistema público de saúde (Ministério da Saúde, 2023).

Para os administradores de saúde pública, é evidente que essa proposta de planos restritos sem cobertura completa pode parecer uma solução de curto prazo, mas cria um problema de longo prazo: um desequilíbrio no financiamento e na gestão dos recursos de saúde, que impacta a qualidade do atendimento tanto no setor privado quanto no público. Uma gestão eficiente deve focar em integração, prevenção e atenção integral à saúde, e não em soluções fragmentadas que transferem o custo para outro setor (IEPS, 2022).

Por fim, a crítica fundamental que se extrai desse cenário é a inversão dos princípios da administração em saúde: quando o paciente se torna um “custo evitável” ao invés de um ser humano a ser acolhido, o sistema já falhou. O administrador responsável deve defender uma gestão centrada na dignidade, na equidade de acesso e na eficiência operacional com
responsabilidade social. Reverter esse quadro exige mais que reformulações regulatórias: é preciso reconstruir a cultura organizacional das operadoras, promovendo ética, empatia e
compromisso com a vida.

Fontes:
• Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). (2023). Relatório de Gestão da Saúde Suplementar.
• Ministério da Saúde. (2023). Política Nacional de Saúde Suplementar.
• Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). (2022). Análise de Impacto do Setor de Saúde Suplementar no SUS.
• Código de Defesa do Consumidor. (1990). Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990.

*Adm. Fatima Ribeiro é Coordenadora da Comissão Especial em Administração de Serviços de Saúde do CRA-RJ.

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